Milhares de famílias caídas na pobreza pedem ajuda. Banco Alimentar nunca viu nada assim

Desde o início da pandemia de covid-19 já chegaram mais de 11.600 pedidos de ajuda de agregados familiares. Isabel Jonet diz que uma das maiores preocupações se prende com as crianças, muito afectadas pelo encerramento de creches e escolas, onde muitas vezes tinham garantidas refeições.

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Rui Gaudencio

Isabel Jonet trabalha há 27 anos no Banco Alimentar contra a Fome e diz que nunca viu nada assim, que não param de aumentar os pedidos de ajuda alimentar, indicador de como milhares de famílias caíram abruptamente em situação de desespero.

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Isabel Jonet trabalha há 27 anos no Banco Alimentar contra a Fome e diz que nunca viu nada assim, que não param de aumentar os pedidos de ajuda alimentar, indicador de como milhares de famílias caíram abruptamente em situação de desespero.

A presidente do Banco Alimentar diz que desde o início da pandemia de covid-19, através da Rede de Emergência Alimentar criada pela Entreajuda, da qual o Banco Alimentar faz parte, já chegaram mais de 11.600 pedidos de ajuda de agregados familiares.

Este número representa 55 mil pessoas, estima Isabel Jonet, e são todos novos casos de pobreza, provocados sobretudo pelo desemprego das pessoas que tinham trabalhos precários e de profissionais liberais, que apenas recebem quando trabalham.

Isabel Jonet diz que uma das maiores preocupações se prende com as crianças, muito afectadas pelo encerramento de creches e escolas, onde muitas vezes tinham garantidas refeições, ao que acresce a situação das mães, com profissões que agora não podem exercer, como cabeleireiras, manicures, empregadas domésticas, e que perderam rendimento.

“Isto provocou uma pressão nas famílias por duas vias, porque estão todos em casa, comem em casa, custa mais dinheiro a cada família a alimentação que habitualmente não consumiam em casa, porque não estavam a casa todo o dia, mas, por outro lado, não têm qualquer rendimento ou remuneração, seja por via do trabalho, seja até porque por vezes eram ajudadas através destas respostas sociais”, disse à Lusa.

Nas “observações” dos formulários online através dos quais se submetem os pedidos de ajuda surgem muitas vezes pedidos de comida para crianças e bebés e fraldas, referiu.

“Acho que é muito desesperante para uma família não ter nada em casa para dar aos seus filhos e temos assistido aqui a testemunhos que são terríveis. Pessoas que não estavam à espera, que ficaram nesta situação e que chegam a casa e não têm rigorosamente nada no frigorífico. Estas pessoas, é fácil caírem numa situação de desespero. O desespero às vezes leva a actos que são quase irracionais. Não gostaria que houvesse qualquer atentado à segurança ou que comece a haver mais casos de pequena criminalidade, seja o que for”, disse Isabel Jonet.

A situação, que “só tem vindo a piorar”, está a tornar-se mais visível, porque se “muitas (pessoas) acharam que no primeiro mês ainda se iam aguentar”, agora que entram no segundo mês consecutivo sem salário começam a sentir cada vez mais dificuldades, sobretudo para aquelas que são mais vulneráveis a cada crise.

“Isto são pessoas que são uma vez mais atingidas, mas são pessoas que tinham a vida equilibrada. A mim custa-me ver isto, pessoas tinham a vida toda equilibrada, ganhavam o seu salário, conseguiam pagar as contas, viviam no limite, mas agora até tinham uma perspectiva de poderem viver um pouco melhor, o país estava melhor, havia muito turismo e muitas destas pessoas estavam em profissões ligadas ao turismo”, disse.

Isabel Jonet antevê uma lenta recuperação para estas famílias, e mais alguns “meses de uma situação muito difícil”, dependendo do ritmo da recuperação económica e do turismo, que terá um retomar de actividade muito condicionado pelos receios de quem viaja.

Apesar do crescente número de pedidos, “ainda tem sido possível dar resposta”. À Rede de Emergência Alimentar chegam donativos de produtos frescos, excedentes de produção que agora são encaminhados para o Banco Alimentar devido ao encerramento dos restaurantes, para além da resposta de particulares e empresas aos apelos para donativos.

“Só tínhamos a campanha de recolha de alimentos no final de Maio, portanto ainda tínhamos stocks para Abril e para Maio. Em Abril já tivemos de dar uma parte dos produtos básicos para Maio, então sensibilizámos empresas e pessoas para que nos dêem donativos para que possamos comprar produtos”, disse Isabel Jonet, referindo que tem havido “uma boa resposta” através do Alimente Esta Ideia.