Para além do tiro de pólvora seca. Para onde disparam a “pressão de ar”, a “bazuca” e o resto?
Para Portugal, o que está em jogo vai muito para além de saber se teremos uma “bazuca” ou uma “pressão de ar”.
Por todo o mundo capitalista, as consequências do surto da covid-19 são apresentadas como um dilema: defender a saúde ou a economia? Trata-se, em grande medida, de uma falsa alternativa.
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Por todo o mundo capitalista, as consequências do surto da covid-19 são apresentadas como um dilema: defender a saúde ou a economia? Trata-se, em grande medida, de uma falsa alternativa.
O grande problema é a recusa, em numerosos casos a dificuldade, do capital em assumir uma reorganização da actividade económica em condições apropriadas de protecção sanitária. Tal reclama uma intervenção determinada dos Estados, em defesa do interesse colectivo.
No caso de Portugal, uma acção que aproveite possibilidades de mobilização de meios e recursos no plano da União Europeia e, simultaneamente, combata os constrangimentos e as decisões que desacautelam as necessidades nacionais.
Depois do tiro de pólvora seca do Eurogrupo, que encaminhou os Estados para mais endividamento, aguarda-se a resposta da Comissão Europeia à encomenda do Conselho Europeu. Nas palavras do primeiro-ministro, a dúvida está em saber se aí vem uma “bazuca” ou uma “pressão de ar”.
Para além do discutível “poder de fogo” face às necessidades reais, há, no imediato, três questões primordiais a considerar. A Comissão, em princípio, apresentará duas propostas: um “plano de recuperação”, para dois a três anos, e o orçamento da UE, para sete anos.
Em primeiro lugar, importa saber, no conjunto dos dois, quanto cabe a Portugal nos próximos sete anos. A este valor há que descontar a contribuição nacional para o orçamento da UE. A diferença obtida deve ser comparada com as verbas líquidas recebidas nos quadros financeiros anteriores. Que, sublinhamos, não evitaram, globalmente, a divergência económica com a média da UE nas últimas duas décadas. Resta saber que parte do “plano de recuperação” consistirá, de facto, em subvenções, em vez de mais empréstimos, aos Estados.
Em segundo lugar, importa conhecer qual a distribuição das verbas pelos 27 Estados-membros. Eis um bom critério para aferir dos tiros da “bazuca”, da “pressão de ar” ou do que seja: promovem uma efectiva convergência económica e social entre os países ou contrariam-na, beneficiando ainda mais quem já beneficia do mercado único, do euro e das políticas comuns?
Em terceiro lugar, importa perceber com que objectivos estratégicos estarão alinhados estes instrumentos. Servirão as necessidades específicas dos diversos Estados-membros ou, em nome da “autonomia estratégica europeia em sectores-chave”, atenderão a objectivos e interesses estratégicos das transnacionais e das principais potências europeias, na consolidação e alargamento do seu domínio pela ainda maior concentração e centralização de capital?
Para Portugal, o que está em jogo vai muito para além de saber se teremos uma “bazuca” ou uma “pressão de ar”.
É fundamental que o Estado coloque a banca comercial ao serviço da defesa dos rendimentos da população e do relançamento do crescimento económico. Muita falta faz uma banca pública mais desenvolvida, voltada para as necessidades nacionais, em vez de uma banca privada monopolizada e estrangeirizada, impulsionada pela União Bancária.
Precisamos de combater as carências, as dependências e os atrasos nacionais evidenciados pela actual situação, dando um vigoroso impulso aos sectores produtivos, à actualização tecnológica, à promoção do emprego, à justa distribuição do rendimento e da riqueza, numa perspectiva de defesa do interesse do povo e do País. Mas isso exige o controlo público dos sectores básicos e estratégicos da economia e a protecção dos produtores e das micro, pequenas e médias empresas nacionais, esmagadas num mercado único com políticas comuns recortadas à medida dos interesses das multinacionais.
Precisamos de financiar as funções sociais, os serviços públicos e a intervenção económica do Estado. Tal exige a revogação dos constrangimentos que o impedem ou estorvam, a começar pelo Pacto de Estabilidade, e não meras “suspensões” temporárias, de que nos chegará a factura. Sem esquecer a renegociação da dívida.
Precisamos, finalmente, de maior autonomia estratégica, de protecção face à chantagem dos mercados e das instituições da UE, onde prevalece a ausência de solidariedade. Recuperar imprescindíveis instrumentos de soberania económica, especialmente no plano monetário, para apoiar a recuperação numa perspectiva duradoura de crescimento e desenvolvimento sustentáveis.
Deputados do PCP no Parlamento Europeu