Covid-19: mortes acima do esperado atingem valor “moderado” em Portugal. Noutros países, é “extremamente alto”

Enquanto, em Portugal, a curva de mortes por todas as causas subiu acima do que seria expectável, de forma moderada, em Março e Abril, noutros países europeus atingiu picos extremos. Entre 16 de Março e 14 de Abril, registaram-se mais 1255 óbitos do que seria de esperar para esta época do ano e apenas 49% foram atribuídos à covid-19.

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Manuel Roberto

A epidemia de covid-19 provocou um excesso de mortalidade em Portugal nas últimas semanas que não ultrapassou, porém, alguns picos de mortes acima do expectável causados pela gripe e pelo frio intenso de Invernos recentes, o que se justificará, em parte, porque uma parte substancial da população está fechada em casa. Tem havido mais mortes por todas as causas do que seria de esperar para esta época do ano, mas este excesso de mortalidade era classificado como “moderado” no início de Abril no site do projecto Euromomo (European Monitoring of Excessive Mortality), que monitoriza este fenómeno em vários países europeus. Já em Espanha, Itália, Reino Unido, Bélgica e Países Baixos a mortalidade acima do expectável era “extremamente elevada” e não tinha comparação com a registada em outros períodos de anos anteriores.

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A epidemia de covid-19 provocou um excesso de mortalidade em Portugal nas últimas semanas que não ultrapassou, porém, alguns picos de mortes acima do expectável causados pela gripe e pelo frio intenso de Invernos recentes, o que se justificará, em parte, porque uma parte substancial da população está fechada em casa. Tem havido mais mortes por todas as causas do que seria de esperar para esta época do ano, mas este excesso de mortalidade era classificado como “moderado” no início de Abril no site do projecto Euromomo (European Monitoring of Excessive Mortality), que monitoriza este fenómeno em vários países europeus. Já em Espanha, Itália, Reino Unido, Bélgica e Países Baixos a mortalidade acima do expectável era “extremamente elevada” e não tinha comparação com a registada em outros períodos de anos anteriores.

Olhar apenas para os dados oficiais dos óbitos por covid-19 não é suficiente para captar a real dimensão da pandemia, defendem vários especialistas. Os peritos do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) sustentam que o excesso de mortalidade por todas as causas pode ser uma forma “mais objectiva” de olhar para o impacto da pandemia, particularmente nesta altura do ano em que “estão ausentes” outras causas de morte habituais (como a epidemia de gripe sazonal e as baixas ou altas temperaturas).

No documento Estratégias de Vigilância para a Covid-19, divulgado em 9 de Abril, apesar de sublinharem que a contabilização das mortes de doentes hospitalizados por covid-19 é importante e relativamente fiável, os especialistas do ECDC avisam que poderá “não reflectir a verdadeira magnitude dos óbitos associados” à doença. Porquê? Porque as pessoas idosas podem morrer fora do ambiente hospitalar, por exemplo em instituições ou em casa, e há países que apenas reportam os dados dos óbitos ocorridos nos hospitais, justificam. 

Voltando aos dados do Euromomo, à semelhança do que aconteceu em vários países europeus, em Portugal verificou-se uma tendência de aumento da mortalidade em algumas semanas de Março e Abril. “Aí por volta do dia 9 de Março, a mortalidade começou consistentemente a aumentar de dia para dia, ainda que de uma forma muito ténue, quando o que esperamos encontrar, durante os meses de Março e Abril, é um decréscimo da mortalidade”, recorda Ana Paula Rodrigues, especialista em saúde pública e coordenadora da Rede de Médicos Sentinela do Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa).  

Ao detectarem um “aumento, ainda que muito reduzido, de óbitos”, os especialistas do Insa ficaram “alerta” e informaram de imediato as autoridades de saúde. Decidiram também passar a fazer uma monitorização diária da mortalidade, em vez de semanal, para conseguirem detectar precocemente se o que estava em causa era uma variação atribuível à epidemia de covid-19 ou se o crescimento era apenas fruto do acaso. Mas tornou-se evidente que havia uma relação, porque a tendência anormal no padrão da mortalidade coincidiu com o início da epidemia em Portugal. “Isto é coincidente com o que se observa noutros países. E os países com maior excesso de mortalidade são os que foram mais atingidos pela epidemia de covid”, observa Ana Paula Rodrigues, ainda sem dados “fechados” sobre este fenómeno.

Excesso de mortalidade ainda será maior

Se o Insa ainda está a fazer estimativas, o total de óbitos acima do esperado para a época foi já calculado por um grupo de investigadores da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) no estudo Excesso de Mortalidade, em Portugal, em Tempos de Covid-19. Entre 16 de Março e 14 de Abril, registaram-se mais 1255 óbitos, por todas as causas, do que o esperado, com base na mortalidade média diária durante os dez anos anteriores, estimaram os especialistas do Centro de Investigação em Saúde Pública da ENSP.

Os investigadores sustentam que as estimativas que apresentam neste trabalho até são “conservadoras”, porque uma parte dos óbitos por covid-19 não terá sido registada como tal, “por falta de diagnóstico laboratorial”. “Muitas pessoas terão falecido em casa ou em instituições” antes de “poderem ter sido testadas para a presença do vírus”, acreditam. “Pessoas com doenças agudas ou crónicas graves podem não ter procurado o sistema de saúde com medo de serem contaminadas por covid-19, tendo falecido sem assistência”, especulam. E notam que o “quase desaparecimento dos óbitos por causas externas”, nomeadamente os devidos aos acidentes de viação, pode igualmente “contribuir para que o excesso de mortalidade seja ainda maior” do que o valor estimado.

O que é claro é que o excesso de mortalidade afectou “de forma desproporcionada” as pessoas com mais de 75 anos – 1030 eram idosos nessa faixa etária.  Até essa data, apenas 599, ou seja, menos de metade (49%) do total de óbitos, apareciam registados como associados a covid-19. Os restantes foram atribuídos a outras patologias ou a outras causas. 

De regresso ao gráfico do Euromomo, na segunda semana de Abril Portugal surge com um excesso de mortalidade “moderado”, enquanto em Espanha, França, Itália, Bélgica, Países Baixos e Reino Unido este é “extremamente elevado”. Mas há vários países sem mortes acima do esperado, como a Alemanha, a Áustria, a Grécia e a Noruega, só para citar alguns.

Aumentar

E se nos países mais afectados pela pandemia os excessos de mortalidade por todas as causas agora verificados não têm paralelo com os verificados em anos anteriores, em Portugal houve outros mais elevados no passado, nomeadamente nos Invernos de 2016/2017 e de 2018/2019. Foram 4467 e 2844 mortes acima do esperado, respectivamente, segundo os dados do Programa Nacional de Vigilância da Gripe do Insa, mas é preciso notar que as épocas de gripe se prolongam por vários meses.

Como se pode interpretar o moderado excesso de mortes em Portugal? “Tivemos uma epidemia de covid-19 mais tardia, ganhámos tempo que foi muito importante para conseguir travar o seu crescimento. Por isso temos um impacto ligeiro a moderado, que é, de facto, menor do que em algumas épocas de gripe”, afirma Ana Paula Rodrigues. No entanto, ressalva, “não se pode fazer uma comparação rigorosa com a gripe” porque agora estamos “numa situação de distanciamento social completamente extraordinária”. “Se não estivéssemos nesta situação, teríamos certamente um excesso de mortalidade maior”, enfatiza a especialista em saúde pública.

Sublinhando que no departamento de epidemiologia Insa se utiliza um método diferente para calcular as mortes acima do esperado por todas as causas, uma linha de base que leva em conta a tendência de envelhecimento da população na última década, Ana Paula Rodrigues antevê que os dados do instituto deverão apontar para um impacto menor, ou seja, um excesso de mortalidade mais reduzido do que o referido no estudo da ENSP. Além disso, acrescenta, na última semana já se observou uma inversão da tendência de mortalidade acima da média em Portugal.