Quando a aula online termina para pais, professores e alunos

No geral, reina o estranho sentimento de pensar que se pode finalmente ver um filme ou outro com três reuniões agendadas, tarefas por entregar, e-mails a enviar, propostas a definir, chamadas a atender, outras tantas por fazer e filas de espera em frente à porta do supermercado a aguentar.

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LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS

A aula online acaba. O professor tem agendada, dentro de 30 segundos, uma reunião com o conselho pedagógico para definir estratégias de futuro. Sai e recebe um e-mail com o novo ID e senha para a reunião de “como preparar as aulas da semana seguinte”. As aulas terão de ser lúdicas, interactivas, cheias de criatividade, interessantes, divertidas, alegres, espectaculares, espantosas e encantadas, sem esquecer o conteúdo, o programa, as metas, as linhas orientadoras do currículo nacional, o peso dos alunos com os trabalhos de outras disciplinas, aqueles que não têm internet ou computador em casa. Tem ainda de responder aos pais que pedem mais trabalhos e se queixam da falta de preparação das escolas, aos que reclamam da quantidade exorbitante de tarefas a serem dadas aos filhotes e, ainda, aos que não dão sinal de vida. Serão 23h e, de rabo espalmado, olhos inchados, cheio de fome, com três chamadas não atendidas de um familiar e sem ter tido tempo de ir à casa de banho, decide dormir porque tem aula às 8h30 do dia seguinte. Isto foi o caso do professor solteiro. Imagine-se aquele que tem três filhos com aulas online

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A aula online acaba. O professor tem agendada, dentro de 30 segundos, uma reunião com o conselho pedagógico para definir estratégias de futuro. Sai e recebe um e-mail com o novo ID e senha para a reunião de “como preparar as aulas da semana seguinte”. As aulas terão de ser lúdicas, interactivas, cheias de criatividade, interessantes, divertidas, alegres, espectaculares, espantosas e encantadas, sem esquecer o conteúdo, o programa, as metas, as linhas orientadoras do currículo nacional, o peso dos alunos com os trabalhos de outras disciplinas, aqueles que não têm internet ou computador em casa. Tem ainda de responder aos pais que pedem mais trabalhos e se queixam da falta de preparação das escolas, aos que reclamam da quantidade exorbitante de tarefas a serem dadas aos filhotes e, ainda, aos que não dão sinal de vida. Serão 23h e, de rabo espalmado, olhos inchados, cheio de fome, com três chamadas não atendidas de um familiar e sem ter tido tempo de ir à casa de banho, decide dormir porque tem aula às 8h30 do dia seguinte. Isto foi o caso do professor solteiro. Imagine-se aquele que tem três filhos com aulas online

Os pais, que assistiram à aula no canto da secretária para não serem apanhados pela câmara, monitorizaram a criança que não sabe (pensam eles) mexer no Zoom, no Microsoft Teams, no Classroom, na escola virtual, no e-mail e nos documentos e nas pastas, uma para cada disciplina, cada ano, cada filho, cada idade, cada professor e triplamente organizadas em “Por fazer”, “Feito, pronto a enviar”, “Recebido, a corrigir”. Agora já sabem que não só os filhos sabem mexer com tudo isto, como já sabem cortar os áudios e vídeos dos colegas e professor durante as aulas online e partilhar as suas telas por 20 minutos, desculpando-se com o súbito “acidente” provocado. No final da aula, os pais recebem um telefonema do trabalho com o alertas de prazos finais, outro do cônjuge a pedir ajuda com o almoço porque também ele esteve num outro computador, numa outra aula online. Tem de ser, claro, uma decisão rápida porque são 13h30 e as aulas da parte da tarde começam às 14h. 

A aula online terminou e os alunos organizam pastas de trabalhos a fazer, trabalhos já corrigidos com necessidade de revisão rápida e cadernos das aulas que vêm a seguir. Limpam ao mesmo tempo a parte do quarto à qual a câmara dá acesso, colocando a pilha de roupa que estava do lado esquerdo no direito e os pacotes de bolachas que estavam atrás do ecrã do computador passam de novo para a frente, já que agora podem comer sem serem vistos. Agarram no telemóvel e partilham printscreens uns com os outros pelo WhatsApp e Messenger de momentos em que a imagem parou e o João estava de olhos fechados, a Maria inclinava-se para a frente de tal forma que só a testa era visível e a professora estava de boca aberta porque relembrava o Canto X dos Lusíadas. Como só têm a tarefa ter aulas online e não fazer nada, são transformados, de forma injusta, em autênticas fadas do lar, aprendendo a separar roupa preta, branca e vermelha para as várias rondas que a máquina de lavar roupa faz, a passar a ferro camisas que devem ficar bem vincadas na parte dos ombros para que os pais se apresentem elegantes aquando de reuniões pela câmara com os chefes, a aspirar, cozinhar e outras tantas actividades que deixem todos felizes, menos carregados e mais ou menos cansados. 

No geral, reina o estranho sentimento de pensar que se pode finalmente ver um filme ou outro com três reuniões agendadas, tarefas por entregar, e-mails a enviar, propostas a definir, chamadas a atender, outras tantas por fazer e filas de espera em frente à porta do supermercado a aguentar. Isto tudo, claro, sem esquecer o treino do Paulo e Helena no Insta às 19h30. A mensagem é clara: Fiquem em casa, abram os vossos habituais cinco separadores: e-mail, YouTube, Classroom, Microsoft Teams, Facebook/Instagram. Preparem o cabelo, o espaço que a câmara do vosso PC apanha para a vossa próxima reunião Zoom e entrem com o ID: pais, alunos e professores; Senha: covid-19.