Os advogados oficiosos e os outros
A polarização a que assistimos hoje na advocacia em dois campos opostos fratura a classe, enfraquece-nos e a todos prejudica.
Na semana passada escrevi um artigo neste jornal onde alertei para a situação dramática que se vive no sector da justiça motivado pela paralisação generalizada do sistema.
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Na semana passada escrevi um artigo neste jornal onde alertei para a situação dramática que se vive no sector da justiça motivado pela paralisação generalizada do sistema.
Esta paragem tem consequências para a maioria dos cidadãos, mas também para os próprios advogados. Estes multiplicam-se em petições, iniciativas e grupos de Facebook onde se queixam de dificuldades económicas, reclamam apoios do Estado e da Caixa de Providência dos Advogados e Solicitadores (CPAS).
Esclareça-se que os advogados efetuam os seus descontos de previdência para a CPAS, e não no âmbito da Segurança Social, e será a Caixa quem – esperamos nós! – um dia nos pagará a reforma. Os descontos efetuados não dependem dos rendimentos auferidos, mas sim da escolha de cada um que, de acordo com determinadas regras, elegerá o montante da sua contribuição mensal que, por sua vez, determinará mais tarde o valor da reforma.
Parte significativa dos inscritos desconta pelo 5.º escalão que, nesta data, tem o valor mensal de €251,38.
Sucede que a proteção oferecida pela CPAS aos associados é muito escassa, resumindo-se praticamente à reforma por velhice ou invalidez. Não existem “baixas” por doença ou subsídios de desemprego.
A falta de apoios vem motivando os sucessivos protestos, e muitos advogados ameaçam suspender o pagamento das contribuições à CPAS, reclamando a integração no regime geral da Segurança Social.
Como explicar, porém, esta súbita diminuição de rendimentos de que se queixam tantos e tantos advogados se, como todos sabemos, os processos nos tribunais demoram frequentemente vários anos e os honorários vão sendo tipicamente cobrados ao longo do processo e por vezes apenas no final?
Um advogado comum continua hoje a ter os mesmos clientes e processos que tinha em 18 de Março, senão mesmo mais, e cobrará os honorários que lhe são devidos nos termos acordados com o cliente. Do mesmo modo, continuará a faturar as avenças mensais que lhe hajam contratado as empresas suas clientes. Quero com isto dizer que um advogado “tradicional” não terá ainda, em princípio, sofrido de forma significativa as consequências da paralisação da economia.
O problema, como já se adivinhou, é que esta quebra repentina de rendimentos é sentida sobretudo pelos advogados ditos “oficiosos”, ou seja, aqueles que asseguram a defesa e patrocínio das pessoas sem recursos e que são remunerados pelo Estado.
De acordo com os números conhecidos, dos cerca de 30.000 advogados inscritos na Ordem dos Advogados, 14.000 participa no sistema de apoio judiciário. Muitos deles exercem a profissão em moldes tradicionais e as defesas oficiosas constituem mero complemento do seu rendimento. Outros, porém, têm aí o seu sustento.
Esta dicotomia entre “advogados oficiosos” e os outros vem causando divisões na classe, já que os interesses dos dois grupos não são coincidentes.
Os que não participam nas defesas oficiosas queixam-se, em surdina, que as causas dos oficiosos monopolizam a ação e intervenção públicas da Ordem dos Advogados, nomeadamente a reivindicação pelo aumento dos valores pagos pelo Estado, abandonando outros temas que importam a toda a classe. Alegam ainda que a gestão do sistema de apoio judiciário consome vastos recursos à Ordem, financiada por todos, e que as ações de formação que esta promove não têm em conta a especialização da advocacia e são-lhes especialmente dirigidas.
Aqueles que participam no sistema de apoio judiciário, por sua vez, queixam-se de falta de solidariedade dos colegas nas lutas que têm travado em prol de aumentos nos valores das oficiosas e, agora, na guerra que movem à CPAS.
Independentemente das razões que assistem a ambos os “campos”, verifica-se hoje na advocacia uma polarização que fratura a classe, enfraquece-nos e a todos prejudica.
À Ordem, e em especial ao atual bastonário, cabe conciliar os interesses e legítimas aspirações de todos, oficiosos e não oficiosos. Façamos votos para que tenha sucesso!
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico