A moda de autor “está comprometida”, alertam designers
Criadores estão a sentir na pele o impacto da pandemia e defendem que o sector tem de se reinventar. Há quem já esteja a desenhar máscaras de protecção individual.
Avizinham-se tempos difíceis no mundo da moda face ao impacto da pandemia da covid-19 no sector. “O futuro da moda, como a conhecemos, está comprometido e vai demorar algum tempo até voltar a ser como antes”, alerta Luís Buchinho, a braços com avultados prejuízos de encomendas da última colecção que não se concretizaram. O mesmo acontece com Nuno Gama, Inês Torcato e Susana Bettencourt, que estão a reinventar-se, apostando na venda online. Alguns destes criadores estão já a desenhar máscaras de protecção individual – e criaram modelos a pedido do PÚBLICO.
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Avizinham-se tempos difíceis no mundo da moda face ao impacto da pandemia da covid-19 no sector. “O futuro da moda, como a conhecemos, está comprometido e vai demorar algum tempo até voltar a ser como antes”, alerta Luís Buchinho, a braços com avultados prejuízos de encomendas da última colecção que não se concretizaram. O mesmo acontece com Nuno Gama, Inês Torcato e Susana Bettencourt, que estão a reinventar-se, apostando na venda online. Alguns destes criadores estão já a desenhar máscaras de protecção individual – e criaram modelos a pedido do PÚBLICO.
Só Nuno Gama tem “entre 50 a 100 mil euros de prejuízo em peças em stock” na loja de Lisboa, que não está a vender na sequência da imposição do estado de emergência. “Estou a sentir no osso as dificuldades que advêm da pandemia e estou muito preocupado”, lamenta o criador, que apostou em grande quando, no início de Março, apresentou a nova colecção na ModaLisboa. “Sentia alguma confiança no mercado, então fiz logo a produção da colecção, ao contrário do habitual, e agora está tudo em stock, por vender.”
Atingido pela paralisação que afectou vários sectores da economia do país, o criador ficou em teletrabalho com os seus três funcionários. Assim estão também os outros designers de moda contactados pelo PÚBLICO. E as incertezas em torno do futuro começam a consumir-lhes os dias. Mais, desabafa Nuno Gama: “Não sei como vou fazer as colecções para a próxima estação, se não escoar a última.”
Luís Buchinho já desenhou a colecção de Verão de 2021 “para ter um projecto de criação – sem saber se será concretizado”. “A moda projecta-se com seis a oito meses de antecedência”, lembra, sublinhando a imprevisibilidade acrescida do actual cenário. Com loja no Porto, fechada desde Fevereiro, o designer já tinha várias notas de encomenda nacionais e de fora do país para entregar em Setembro. “Deveria estar a produzir as peças mas tive de parar por falta da confirmação dos clientes”, lamenta, preocupado com a crise que está a atingir a indústria da moda. “Vai ser um período muito difícil de ultrapassar porque o sector vai tardar, no mínimo, um ano até voltar ao sistema a que nos habituámos”, vaticina, acrescentando que a moda de autor “não é um bem de primeira necessidade”. Por isso, não resta se não esperar para ver o que vai acontecer quando acabar a quarentena.
Inês Torcato, que também tem o atelier e a loja fechados, no Porto, acrescenta que “vai ser muito complicado para quem sobrevive só da moda de autor” e não faz trabalhos para outras marcas. Não é o seu caso, porque tem alguns projectos como freelancer para outros clientes da indústria têxtil, mas ainda assim vê-se de mãos atadas : “Estou quase parada em termos de trabalho, na impossibilidade de ir visitar uma confecção têxtil e ver amostras.”
A designer teve de se adaptar aos novos tempos e, por exemplo, desenvolveu fardas pós-quarentena para um restaurante e para uma empresa de fardamentos. De resto, Inês Torcato começou a notar a crise no sector antes mesmo de a quarentena começar em Portugal. “Muitas fábricas que confeccionam para exportação já tinham imensas encomendas canceladas das marcas estrangeiras que produzem. E já não conseguiam pagar os salários”, diz.
Também Susana Bettencourt está “a sentir uma grande repercussão, sobretudo ao nível da venda para lojas e dos pedidos das peças para multimarcas”, revela. “Ainda fizemos a feira de vendas, em Milão, e conseguimos notas de encomenda de várias lojas de Itália, China e EUA, mas foi quase tudo cancelado com o avançar da pandemia”, queixa-se.
Por estes dias, a criadora, que está em teletrabalho com os seus três funcionários, está a desenvolver três colecções cápsula, ou seja, dez coordenados, para lançar em Setembro e em Novembro. Nas mãos tem também a colecção da Concreta, para a qual já costuma desenhar.
Reinventar é preciso
Reinventar o mundo da moda é o caminho apontado por todos os designers contactados pelo PÚBLICO para sobreviver à crise provocada pela pandemia, a curto e a médio prazo. Nuno Gama não acredita que baixar os preços seja a solução. “No meu caso, não faz sentido vender mais barato porque são peças exclusivas, feitas à mão e produzidas em Portugal”, argumenta, lamentando a concorrência desleal que existe no mercado.
“Em vez de o consumidor comprar 50 peças, por que não adquire apenas uma, de autor, que não faça mal ao planeta?”, questiona o criador, que está a apostar no reforço das vendas online, tal como Inês Torcato, Susana Bettencourt e Luís Buchinho. “O futuro passa por aí”, defende Nuno Gama.
Susana Bettencourt admite que até agora não se tinha dedicado muito ao online, mas que esse pode ser o caminho, uma vez que tem a loja fechada. “Pusemos o stock online, onde vou lançar a colecção de Agosto e Setembro que apresentei na feira de vendas de Itália”, conta.
Para se adaptarem aos novos tempos, todos os designers que falaram com o PÚBLICO, à excepção de Nuno Gama, estão a desenhar máscaras de protecção individual de autor. Luís Buchinho anda a testar vários materiais “seguros, confortáveis e bonitos” e a desenvolver protótipos.
Também Susana Bettencourt está a criar os moldes das três dezenas de máscaras que serão costuradas em não tecidos que já tem em stock, com os estampados e desenhos da marca. A designer não definiu ainda o preço de venda ao público.
A pedido do PÚBLICO, os criadores desenharam as máscaras que aqui podem ser vistas. Inês Torcato sugere uma transparente, para que seja possível ver as expressões das pessoas. “Uma das coisas que faz mais confusão é a cara tapada, escondida, que ainda torna tudo mais distante e impessoal”, argumenta.
Luís Buchinho, por sua vez, misturou materiais como cabedal e lantejoulas, numa base de cores neutras. “Desenhei esta máscara no rosto da Luísa, uma modelo que me acompanha ao longo dos meus 30 anos de carreira e que admiro muito”, explica. Já Nuno Gama propõe uma peça de tecido com acabamento anti-bacteriano, numa só cor. E Susana Bettencourt desenhou uma peça com cor e o grafismo da marca.