Dois mil portugueses vão testar imunidade da população. 350 são crianças
O primeiro inquérito serológico de base populacional deve arrancar em Maio e vai ser feito em colaboração com os laboratórios privados, onde serão colhidas as amostras de sangue.
Testar a imunidade da população contra o novo coronavírus é, actualmente, a grande aposta. O primeiro estudo piloto nacional que visa apurar a percentagem da população que já esteve infectada e desenvolveu anticorpos para o novo coronavírus está já a ser ultimado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) e vai incluir, além de 1720 adultos e adolescentes, 350 crianças dos zero aos nove anos. Este primeiro inquérito serológico de base populacional deve arrancar em Maio e já está definido que vai ser feito em colaboração com os laboratórios privados, onde serão colhidas as amostras de sangue, explica Ana Paula Rodrigues, coordenadora da Rede Médicos Sentinela do Departamento de Epidemiologia do Insa.
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Testar a imunidade da população contra o novo coronavírus é, actualmente, a grande aposta. O primeiro estudo piloto nacional que visa apurar a percentagem da população que já esteve infectada e desenvolveu anticorpos para o novo coronavírus está já a ser ultimado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) e vai incluir, além de 1720 adultos e adolescentes, 350 crianças dos zero aos nove anos. Este primeiro inquérito serológico de base populacional deve arrancar em Maio e já está definido que vai ser feito em colaboração com os laboratórios privados, onde serão colhidas as amostras de sangue, explica Ana Paula Rodrigues, coordenadora da Rede Médicos Sentinela do Departamento de Epidemiologia do Insa.
O que vai acontecer, na prática, é que os participantes — seleccionados por regiões e grupos etários — serão convidados a fornecer uma amostra adicional de sangue, quando forem a um laboratório privado fazer análises de rotina, e a responder “a um questionário simples para se perceber se estiveram infectados, se tiveram contacto com pessoas infectadas ou se tiveram alguma sintomatologia sugestiva da infecção pelo novo coronavírus”, descreve a especialista em saúde pública. “De seguida, separam-se os que têm anticorpos positivos e sabem que estiveram infectados e os que têm anticorpos positivos mas não se aperceberam. Queremos perceber qual é a proporção de infecções que foram assintomáticas ou em que a sintomatologia foi tão ligeira que não foi valorizada pelas pessoas”. O vírus causa uma resposta do sistema imunitário e começa a produzir anticorpos para combater a infecção.
Estes primeiros testes que servem para perceber se as pessoas tiveram contacto com o novo coronavírus mesmo sem se terem apercebido, e se adquiriram ou não imunidade, são um passo determinante para a programação de um regresso à normalidade e há países que já avançaram neste sentido, como a Alemanha, que começou este mês um inquérito serológico a 150 mil voluntários. A Itália anunciou entretanto, este sábado, que vai fazer testes serológicos numa amostra de 150 mil pessoas. O comissário extraordinário para a resposta à emergência da pandemia, Domenico Arcuri, adiantou que os testes vão começar em 4 de Maio. São testes quantitativos, determinam a quantidade, o nível de anticorpos, e não só a sua presença.
“Estes resultados vão ser relevantes, de uma forma mais imediata, para se perceber quais são os grupos mais e menos afectados e ver, de uma forma mais empírica, quais são aqueles que já têm um nível de imunidade que lhes permita retomar a normalidade, conjugando [isto] com o risco de infecção e o risco de complicações”, especifica Ana Paula Rodrigues. Vão ter ainda uma função suplementar, e também muito importante, ao permitirem ir fazendo cenários, por exemplo, prevendo o que pode acontecer se se abrirem as escolas, se o comércio passar a funcionar normalmente, acrescenta.
Avançar depois do pico
Em Portugal, a crer nos dados disponíveis, terá sido atingida uma fracção ainda reduzida da população. A percentagem da população atingida varia de acordo com a incidência nas várias regiões ou mesmo nos municípios. São “os pontos mais atingidos”. “Estes pontos, estes municípios, como foi o caso de Ovar, por exemplo, permitem-nos ter alguma noção, antecipar o que poderá acontecer noutros locais”, adianta. Mas Ana Paula Rodrigues faz questão de acentuar as limitações destes estudos, porque, além de a imunidade de grupo poder variar consoante a capacidade de transmissão, ainda se desconhece o tempo da sua duração.
Quanto às crianças, o objectivo é testar uma amostra de 350 no conjunto daquelas que são seguidas nos hospitais com serviços de pediatria por terem algum problema de saúde, uma vez que as outras, naturalmente, não fazem análises de rotina. Mas como é fulcral acelerar o trabalho – os primeiros resultados estão previstos para finais de Junho e o relatório deve estar pronto em Julho —, se este grupo for mais difícil de testar, a equipa não vai ficar à espera e arrancará apenas com o grupo dos adolescentes e adultos, diz Ana Paula Rodrigues.
Os departamentos de epidemiologia e de doenças infecciosas do instituto já têm em marcha o trabalho preparatório de negociação com os laboratórios de análises onde vai ser feita a colheita das amostras de sangue e está a preparar os questionários. As amostras serão todas analisadas no laboratório do Insa, que está a seguir o protocolo definido pela Organização Mundial de Saúde para este tipo de estudos.
A OMS recomenda que os países trabalhem no sentido de irem tendo estimativas por grupos etários de forma a irem percebendo quais devem ser as medidas a avançar, nomeadamente no caso das escolas, da população activa, dos idosos, e os contactos que estes grupos têm entre si, explica ainda Ana Paula Rodrigues.
Este é o momento certo? “Não faz muito sentido fazer inquéritos serológicos de base populacional numa fase muito precoce da epidemia porque vamos ter valores muito baixos. A OMS recomenda que se avance com estudos serológicos a seguir ao pico da epidemia em cada país", responde.
Este vai ser apenas o primeiro de uma série de estudos transversais que o Insa se propõe fazer. O primeiro inquérito piloto será repetido dentro de cinco meses se for possível concretizar o “ambicioso” cronograma definido pelos departamentos de epidemiologia e de doenças infecciosas do Insa. Também está prevista a realização de inquéritos a grupos específicos, como o dos profissionais de saúde, e a doentes.
Ana Paula Rodrigues sublinha igualmente que é necessário melhorar os sistemas de vigilância. O Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) já avisou, aliás, que estes sistemas podem ser pouco sensíveis para identificar ressurgimentos da infecção e deu uma série de exemplos de formas de vigilância que podem ser montadas nesta fase para a monitorização da situação, por exemplo “escolas-sentinela”, em que se consiga perceber o que está a acontecer através do registo das faltas dos alunos e professores.