O dia em que Marcelo teve de justificar o 25 de Abril

Respondendo à polémica que envolveu as celebrações oficiais da revolução, o Presidente da República colocou-se ao lado de Ferro Rodrigues na defesa firme da sessão, que recusou ser “uma festa de políticos”. Demorou-se mais a explicar a sua importância do que a falar do “efémero” onde entra a pandemia de covid-19.

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Foi com raras palavras duras na defesa das comemorações do 25 de Abril na “Casa da Democracia” que Marcelo Rebelo de Sousa fez o seu último discurso deste primeiro mandado como Presidente da República. Atento à polémica das últimas semanas em torno daquilo que muitos chamaram de “uma festa de políticos”, o chefe de Estado fez questão de se colocar de um dos lados – o do centro-esquerda – contra a direita mais radical, ainda que com o risco de alienar uma parte do seu eleitorado.

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Foi com raras palavras duras na defesa das comemorações do 25 de Abril na “Casa da Democracia” que Marcelo Rebelo de Sousa fez o seu último discurso deste primeiro mandado como Presidente da República. Atento à polémica das últimas semanas em torno daquilo que muitos chamaram de “uma festa de políticos”, o chefe de Estado fez questão de se colocar de um dos lados – o do centro-esquerda – contra a direita mais radical, ainda que com o risco de alienar uma parte do seu eleitorado.

Não comemorar o 25 de Abril “no tempo, provavelmente, em que mais precisamos dele seria um absurdo cívico”. Não o fazer no Parlamento “seria um péssimo sinal de falta de unidade nacional”. “O que seria verdadeiramente incompreensível e vergonhoso era a Assembleia da República demitir-se de exercer todos os seus poderes” e “também nesta sessão, que sempre foi e é um momento de controlo democrático”, afirmou.

Marcelo Rebelo de Sousa recorreu ao léxico e aos argumentos dos críticos para os desmontar um a um. “Não é este um tempo excepcional e em tempos excepcionais não devem dispensar-se evocações costumeiras e ritualistas? Não. É precisamente em situações excepcionais que se impõe costumes e rituais”. Se o 10 de Junho, o 5 de Outubro e o 1.º de Dezembro são datas “essenciais” e que vão ser comemoradas, “o 25 de Abril é excepcional e tinha de ser invocado”.

Rejeitando outro dos argumentos que mais se ouviu contra estas celebrações – o de que sendo “este um tempo em que não se visita familiares e lares faz sentido haver uma festa de políticos”, Marcelo afirmou que não se trata de “uma festa de políticos alheia ao clima e de privação vivido na sociedade portuguesa”. “Evocar 25 de Abril é falar deste tempo, não é ignorá-lo”, respondeu, lembrando que “os políticos nesta sala não vieram de outra galáxia, foram uma livre escolha dos portugueses”, sublinhou.

Ao argumento da suspensão dos festejos religiosos como a Páscoa ou o Ramadão, respondeu lembrando que “o Parlamento nunca deixou de funcionar”, seguindo as indicações sanitárias. Marcelo Rebelo de Sousa, constitucionalista e deputado constituinte, lembrou que o estado de emergência não é uma suspensão da democracia, pelo contrário: “Quanto maiores os poderes do Governo, maiores os poderes da Assembleia da República para o controlar”.

“Esta sessão é um bom e não um mau exemplo”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, garantindo que em nenhum momento concebeu “sequer um desencontro com a Casa da Democracia” num momento como este, com “desafios tão graves como os da vida e da saúde e ainda o da vida digna no emprego, nos salários, nos rendimentos, nas famílias, nas empresas”.

Unidade e contenção

Perante esta situação excepcional, o Presidente da República apelou várias vezes à unidade nacional. “Temos de manter a máxima convergência possível”, disse, defendendo que unidade “não é unicidade nem unanimismo”, referências ora à extrema esquerda, ora aos liberais, em particular o deputado da Iniciativa Liberal, Cotrim Figueiredo que tem criticado o “unanimismo” que o país tem vivido por causa da pandemia. 

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, “a crise económica e social” resultante da pandemia de covid-19 vai fazer-se sentir “durante anos” e agora é preciso “conjugar aberturas amadurecidas com precauções bem explicadas e bem compreendidas e “acorrer aos desempregados, aos que estão em risco de o ser, às famílias aflitas, às empresas estranguladas”.

Um recado claro para o Governo, o qual, como sublinharia mais tarde, após ajudar a distribuir refeições a sem-abrigo, terá “o papel fundamental” depois de terminar o estado de emergência, que tudo aponta será no próximo dia 3 de Maio. E não foi o único. Marcelo já tinha deixado claro que não gosta da ideia de um levantamento de restrições que divida a sociedade e insistiu, defendendo que não se deve “ceder ao simplismo de separar velhos e novos, metropolitanos, urbanos e rurais, regiões autónomas, sem embargo da sua autonomia específica”.

Advertindo que “o caminho a fazer ainda é longo, difícil e imprevisível”, o Presidente da República apelou a “uma Europa lúcida, solidária, empenhada e rápida a agir” e a que se ultrapassem “egoísmos, unilateralismos, visões fechadas do mundo e da vida”. E citou o Papa Francisco para pedir também para não se “imolar quem fica para trás no altar do progresso”.

Marcelo pediu aos actores políticos e ao país para “olhar mais longe e fundo” e sobreponham “o duradouro e essencial ao efémero”. E concluiu o discurso com um apelo: “Agora vamos ao essencial, vamos vencer as crises que temos de vencer”.

“Vacinados contra a austeridade”

O presidente da Assembleia da República – que fez questão de, este ano, ser ele a abrir a cerimónia – iniciou a sessão pedindo um minuto de silêncio pelas vítimas da pandemia, aquelas a quem Marcelo prometeu uma homenagem nacional logo que seja oportuno, e a invocar as outras vítimas, não da doença, mas da recessão que ela está a provocar. 

Só depois justificou, agora em discurso oficial, a importância de manter as comemorações no Parlamento: “Desde 3 de Junho de 1976, a Assembleia da República está em pleno funcionamento. Hoje não foi excepção, hoje não é excepção. A liberdade não está só a passar por aqui: a liberdade é aqui e agora”, afirmou.

“Mesmo em estado de emergência, a Assembleia da República não deixou de funcionar”, manteve “intactos todos os seus poderes”, determinantes para a resposta a esta crise”, disse Eduardo Ferro Rodrigues. Lembrou que foi no uso dos seus poderes legislativos que o Parlamento aprovou medidas para que as famílias, as autarquias, as empresas, o Governo fizessem frente às dificuldades criadas pela pandemia. E que foi a AR que “autorizou que o Presidente da República decretasse o estado de emergência e que o pudesse renovar por duas vezes”.

“Ao combate à pandemia (que está ainda longe de estar ultrapassado), soma-se agora um outro desafio, tão ou mais difícil: o do combate às desigualdades, pelo desenvolvimento económico, pela prosperidade”, disse depois Ferro Rodrigues, lamentando que esta nova crise tenha deitado “a perder parte do que o país conquistou com tanto esforço e sacrifício”, mas evitando falar em austeridade, tal como tinha feito Marcelo e como tem feito o primeiro-ministro, António Costa. 

“De uma coisa estou certo: Portugal e os portugueses estão vacinados contra a austeridade. Resta saber se a vacina tem 100% de eficácia”, acrescentou, depois de ter expressado o desejo de que os partidos encontrem soluções para a recessão como têm encontrado para a crise sanitária.