O 25 de Abril não tem donos
O 25 de Abril e os seus valores de democracia e solidariedade, com as suas realizações na saúde, na educação ou na ciência, com os seus compromissos com a tolerância, a liberdade ou a Europa dispensa tribalismos
A cada ano que passa, as comemorações do 25 de Abril vão-se naturalmente dissolvendo na memória colectiva e começaram a dar lugar a uma arena onde se confrontam pergaminhos democráticos dos extremos da política portuguesa. É natural que, 46 anos depois, muitos portugueses que nasceram, cresceram e vivem em democracia olhem para a pompa das celebrações sem perceberem na íntegra a sua relevância e significado. Mas já não é natural esse jogo de esgrima entre as alas mais à esquerda e mais à direita para saber quem pode usar a coroa da democracia e, por direito próprio, ostentar um cravo de Abril. Esta guerrilha já cansa porque impede o foco no que é o verdadeiro legado de 1974: uma democracia liberal, um estado de direito, uma economia de mercado, uma Constituição, a Europa e um processo de conquistas onde cabe o 25 de Novembro, o papel insubstituível de Mário Soares, as maiorias de Cavaco, a austeridade de Passos ou o novo arco de governação com o PCP e o Bloco fundado por António Costa.
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A cada ano que passa, as comemorações do 25 de Abril vão-se naturalmente dissolvendo na memória colectiva e começaram a dar lugar a uma arena onde se confrontam pergaminhos democráticos dos extremos da política portuguesa. É natural que, 46 anos depois, muitos portugueses que nasceram, cresceram e vivem em democracia olhem para a pompa das celebrações sem perceberem na íntegra a sua relevância e significado. Mas já não é natural esse jogo de esgrima entre as alas mais à esquerda e mais à direita para saber quem pode usar a coroa da democracia e, por direito próprio, ostentar um cravo de Abril. Esta guerrilha já cansa porque impede o foco no que é o verdadeiro legado de 1974: uma democracia liberal, um estado de direito, uma economia de mercado, uma Constituição, a Europa e um processo de conquistas onde cabe o 25 de Novembro, o papel insubstituível de Mário Soares, as maiorias de Cavaco, a austeridade de Passos ou o novo arco de governação com o PCP e o Bloco fundado por António Costa.
Faz parte das regras do jogo que a esquerda do PCP ou do Bloco reclamem para si os louros do 25 de Abril, e é verdade que foram as lutas de muitos dos seus militantes históricos (principalmente comunistas) que abriram brechas para o fim da longa noite do Estado Novo. Como se admite a argumentação mais à direita, segundo a qual a democracia pluralista, feita de eleições livres, só triunfou porque em 1975 se travou o caminho da então apregoada “legitimidade revolucionária” da esquerda extrema. Hoje, porém, esse braço-de-ferro não passa de uma distante memória histórica. Já não há papões comunistas, o regime tem sido capaz de dar provas de resiliência e de evolução, temos uma das melhores democracias do mundo e, por isso, a quezília em torno dos supostos donos do 25 de Abril persiste como uma bizarria estúpida e absurda.
Nestes dias incertos, vale a pena reflectir sobre o lugar até onde Abril nos trouxe e o caminho que podemos escolher nos meses duros que temos pela frente. Não é com discussões inflamadas e pouco interessantes como a que rodeou as comemorações na Assembleia, nem com discursos excessivos como o de Ferro Rodrigues que vamos lá. O 25 de Abril e os seus valores de democracia e solidariedade, com as suas realizações na saúde, na educação ou na ciência, com os seus compromissos com a tolerância, a liberdade ou a Europa dispensa tribalismos. Se há um dono de Abril são os portugueses, não os que se querem apropriar do seu legado. Na Assembleia ou em casa, faça-se, portanto, a festa.