Mais de metade das mortes de covid-19 nos Açores provêm do mesmo lar de idosos

Nos Açores, seis das nove mortes registadas de covid-19 provêm do mesmo lar de idosos, no concelho do Nordeste, que já é o concelho com mais casos positivos do arquipélago. Na Madeira, não há registo de casos em lares.

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A utente que registou o primeiro caso de covid-19 naquele lar foi infectada no Hospital Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada JOSE ANTONIO RODRIGUES

Os Açores registam nove mortes por covid-19 até ao momento. Dessas nove, todas em São Miguel, seis tinham uma circunstância comum: eram todos utentes do lar de idosos da Santa Casa da Misericórdia do Nordeste, concelho com cerca de cinco mil habitantes que, como explica a sua designação, está no extremo nordeste da ilha de São Miguel.

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Os Açores registam nove mortes por covid-19 até ao momento. Dessas nove, todas em São Miguel, seis tinham uma circunstância comum: eram todos utentes do lar de idosos da Santa Casa da Misericórdia do Nordeste, concelho com cerca de cinco mil habitantes que, como explica a sua designação, está no extremo nordeste da ilha de São Miguel.

Um foco de contágio que já atingiu 34 utentes do lar. Com os óbitos registados, neste momento são 28 os utentes infectados, a que se juntam vários profissionais do lar e os seus contactos directos. No total, o Nordeste conta com 51 casos de covid-19, todos relacionados com a cadeia de transmissão do lar. É o concelho com mais casos dos Açores.

Apesar dos números, há motivos para ter esperança. “Depois dos casos todos, a minha impressão é que estamos numa fase em decrescendo, a primeira vitória foi conter claramente a transmissão dos colaboradores do lar”, diz ao PÚBLICO Teves Carreiro, delegado de Saúde do concelho, que coordena a operação que procura conter o surto no Nordeste. Quando a 7 de Abril foi detectado o primeiro caso positivo do lar numa mulher de 88 anos que tinha passado pelo Hospital de Ponta Delgada, as medidas tomadas foram “drásticas”, descreve.

A idosa positiva foi levada para o hospital de Ponta Delgada, o lar foi posto em isolamento e os profissionais que lá estavam ficaram retidos. Foram deslocados mais enfermeiros, mais material de protecção individual e criada uma enfermaria destinada à covid-19 no centro de saúde do concelho. “Começou esta operação inédita nos Açores, porque nunca se tinha testado um lar inteiro”, explica Teves Carreiro, assinalando que foram testados todos os utentes, funcionários e respectivos contactos próximos. Foi uma abordagem “pioneira”, porque, até aí, o critério da região passava por testar apenas os contactos próximos de utentes infectados que apresentassem sintomas. Além disso, actualmente, todos os idosos e todos os profissionais são testados a cada “cinco a sete dias”. No total, já foram realizados mais de 500 testes nesta operação.

Antes de ser atingido pela pandemia, o lar contava com 52 utentes e 38 profissionais, entre enfermeiros, auxiliares, lavandaria, cozinha e direcção. Actualmente, 16 estão no Hospital do Divino Espírito Santo em Ponta Delgada e 12 estão no Centro de Saúde de Nordeste. No lar estão ainda 18 utentes que deram negativo ao despiste da covid-19. Foi decidido não retirá-los da instituição porque a mudança iria apenas “transpor o problema” para outra zona. Em vez disso, o lar é desinfectado regularmente.

“Esta estratégia foi complexa, mas tem sido demonstrada como estratégia vencedora”, defende o delegado de Saúde, justificando com o facto de o concelho (e a região toda) não ter apresentado novos casos de covid-19 nos últimos dois dias. Isto apesar de ontem, quinta-feira, ter sido registado mais um óbito no arquipélago — novamente uma utente do Lar do Nordeste.

Utente zero no Nordeste

A utente que registou o primeiro caso de covid-19 naquele lar foi infectada no Hospital Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada, onde esteve internada. A infecção deu-se por contactos com profissionais de saúde que faziam parte de uma cadeia de transmissão com origem no concelho da Povoação. Por escrito, o provedor da Santa Casa da Misericórdia explanou ao PÚBLICO as várias medidas que o lar tinha tomado para prevenir a contaminação: foram “suspensas as visitas”, foram “retirado serviços” para reduzir o número de entradas na instituição, foi “reforçada” a limpeza dos espaços, manteve-se a distância de dois metros entre idosos na sala de convívio e foram criadas “rotinas” para utentes e colaboradores realizarem refeições em horários alternados. Com essas medidas preventivas, o provedor José Carlos Carreiro mete o ónus da culpa no Hospital Divino Espírito Santo (HDES): “Efectivamente o que correu mal prende-se com o facto de uma idosa ter tido alta hospitalar do HDES sem antes ter sido testada, garantindo a médica que lhe deu alta de que não haveria necessidade de isolamento.”

Acusações que o Governo Regional rejeita. “Não existe responsabilidade nenhuma. Tomámos as medidas todas e mais algumas”, diz ao PÚBLICO a secretária regional da Saúde Teresa Luciano, referindo que as primeiras indicações do Governo Regional aos lares a propósito da pandemia foram dadas a 2 de Março. A 3 de Abril foi tornado a obrigatório a realização de testes a todos os utentes de lares que tivessem estado em hospitais. A infectada zero do Lar do Nordeste teve alta a 27 Março, depois de ter sido internada a 18 daquele mês, quando “só havia dois casos nos Açores” e nas ilhas de São Jorge e Terceira, recorda a secretária regional.

Os seis dias entre a implementação da medida e a alta da idosa acabaram por fazer a diferença. “À medida da evolução da pandemia, vamos colocando medidas mais restritivas. E no caso da região tivemos desde logo medidas muito mais restritivas do que o continente”, justifica Teresa Luciano, assinalando que foram as medidas “restritivas”, como uma definição de caso suspeito mais abrangente do que no continente, que permitiram detectar o caso de infecção naquela utente do lar.

Para já, não está previsto realizar testes a todos os idosos em lares dos Açores. Contudo, os profissionais dessas instituições estão a ser testados a cada quinze dias, aquando da troca de equipas. Uma medida que começou no Lar do Nordeste. “Os idosos em lares não recebem visitas do exterior há muito tempo e os contactos que têm são com os profissionais de saúde. São esses profissionais que poderão ser alvo da vinda do tal inimigo invisível”, justifica Teresa Luciano, assinalando, ainda assim, que “a seu tempo”, o Governo e a Autoridade de Saúde irão avaliar “se vale a pena testar todos os idosos” em instituições.

Há dois dias que os Açores não registam novos casos de covid-19. Neste momento, são 109 os casos activos região, registando-se 20 recuperações.

Madeira sem casos em lares

Na Madeira, os lares de terceira idade têm escapado à pandemia. Entre os 86 casos positivos registados pelas autoridades de saúde regionais, não se contam utentes ou funcionários das instituições.

Por isso, as medidas do governo madeirense têm sido mais profilácticas. Primeiro, as visitas aos lares foram interditas logo a 11 de Março, antes do resto do país, e depois todos foram submetidos a um inquérito epidemiológico e ao regular controlo de temperatura. “Não foram sinalizados casos suspeitos”, indica ao PÚBLICO o gabinete do secretário regional da Saúde e Protecção Civil, Pedro Ramos.

Na freguesia de Câmara de Lobos, no concelho com o mesmo nome, que está sob um cordão sanitário desde o último domingo, as preocupações com o lar local foram maiores. Durante a semana, os 60 idosos e os 77 funcionários foram testados à covid-19. “Todos deram negativo.”

Com Márcio Berenguer