Para uma Europa do amanhã
Hoje, dia 23 de Abril, o Conselho Europeu vai reunir-se. É um momento crítico. Não temos tempo para hesitar ou ser relutantes. Apelamos aos líderes Europeus que demonstrem coragem para falar a uma só voz para proporcionarem a ajuda necessária aos países mais atingidos pelo coronavírus.
Nos últimos meses, o mundo e a Europa foram confrontados com a pandemia da covid-19 – uma crise global de saúde pública que está a ser gerida, até ao momento, ao nível nacional e intergovernamental. O que não é surpreendente, uma vez que a União Europeia não tem poderes na área da saúde pública, estando, por isso, limitada a encorajar, o melhor que pode, Estados-membros a coordenarem-se entre si. Deveria a UE ter maior poder nesta área? O que vamos aprender com esta pandemia?
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Nos últimos meses, o mundo e a Europa foram confrontados com a pandemia da covid-19 – uma crise global de saúde pública que está a ser gerida, até ao momento, ao nível nacional e intergovernamental. O que não é surpreendente, uma vez que a União Europeia não tem poderes na área da saúde pública, estando, por isso, limitada a encorajar, o melhor que pode, Estados-membros a coordenarem-se entre si. Deveria a UE ter maior poder nesta área? O que vamos aprender com esta pandemia?
A atual situação obriga-nos a começar uma reflexão nos trabalhos da UE: o nosso sistema está adaptado aos desafios de hoje?
Nas últimas semanas, os cidadãos de toda a Europa demonstraram que a nossa sociedade é profundamente resiliente. Doentes de regiões transfronteiriças foram transferidos de um país para o outro, profissionais de saúde passaram a trabalhar nas áreas de maior necessidade. Cientistas a trabalhar em conjunto chegaram, em poucas semanas, a resultados que normalmente levariam meses a alcançar. Esta solidariedade concreta é prova da existência de cooperação europeia. Estamos todos a perceber que só trabalhando juntos como uma sociedade poderemos sair desta crise.
Mas enfrentamos hoje um paradoxo: sabemos que precisamos de uma União Europeia mais forte e resiliente, mas a crise da última década criou reações nacionalistas que bloqueiam esforços adicionais para soluções reais. Estamos conscientes que as recentes décadas de crise e lutas internas provocaram uma erosão na confiança entre os cidadãos da Europa, mas temos esperança que o espírito de cooperação seja mais forte e prevaleça.
A solidariedade é o pilar da nossa União e tem um papel ainda mais importante para desempenhar em momentos de crise, para provar que não é só uma palavra vazia, mas um traço político muito forte. Os europeus têm que entender que não estamos num jogo de soma-zero. Ganhamos ou perdemos juntos. Hoje, dia 23 de Abril, o Conselho Europeu vai reunir-se. É um momento crítico. Não temos tempo para hesitar ou ser relutantes. Apelamos aos líderes Europeus que demonstrem coragem para falar a uma só voz para proporcionarem a ajuda necessária aos países mais atingidos pelo coronavírus! Propomos que, no futuro, em caso de pandemia, os poderes de coordenação da saúde pública sejam transferidos para o nível Europeu. Neste quadro de coordenação Europeia, todos os outros níveis, nacional, regional e local, terão responsabilidades. Poderá ter se fazer ajustamentos aos Tratados, mas será preciso lidar com a doença à escala continental.
No que respeita à crise atual, é preciso tomar decisões fortes. Não se trata de cobrir dívidas passadas, mas da dívida que está a ser criada para responder aos desafios criados pela covid-19. Em último recurso, um “Tesouro Europeu” para a área integrada devia gerir as necessidades de empréstimos dos Estados.
O quadro financeiro plurianual de 2021-2027 deveria ser também revisto para se tornar um instrumento mais poderoso de solidariedade, adaptado a situações de emergência como esta.
O Centro de Coordenação de Resposta de Emergência, que dirige a ajuda em forma de conhecimento científico, materiais de alívio ou equipas de proteção civil para os países mais afetados, tem de estar completamente operacional. A investigação médica tem de estar melhor coordenada ao nível Europeu, bem como a recolha e interpretação de dados epidemiológicos.
Quando finalmente a pandemia da covid-19 se dissipar, teremos cicatrizes profundas na nossa sociedade. Milhares de pessoas terão perdido a vida e o nosso sistema económico estará seriamente comprometido. Temos que aproveitar esta oportunidade para re-imaginar o nosso sistema social e económico, para que seja mais justo, mais sustentável e mais resiliente. Este passo é essencial!
Isto implica que temos que encorajar a melhorar a agilidade da tomada de decisão e de ação ganha nos últimos meses. Tivemos a capacidade de construir hospitais e fabricar equipamento médico em poucos dias, quando normalmente o processo burocrático dificulta qualquer processo criativo. A União Europeia, com a sua comunidade normativa de 460 milhões de cidadãos, pode e deve ser uma força ativa desta mudança.
Imagine como seria a nossa economia se deixássemos a competição fiscal uns com os outros. Os cidadãos pagariam os mesmos impostos independentemente de onde vivem na Europa e receberiam os mesmos serviços do Estado. Se estivéssemos unidos, as grandes empresas tecnológicas não poderiam fugir às suas responsabilidades, evitando o pagamento de impostos. Poderíamos fechar as brechas permitidas pelo nosso sistema atual e re-imaginar um sistema em que todos contribuem, e em que o fardo não caísse apenas, injustamente, nos ombros dos trabalhadores e das pequenas empresas. Um sistema que impulsiona o emprego em vez de o taxar. Deveria propor-se um calendário preciso para uma união fiscal na Europa.
Num mundo que está a voltar a cair na tentação das lutas pelo poder em Pequim, Washington, Moscovo, Nova Deli e Ancara, nós, Europeus, temos que defender os nossos valores que sabemos serem universais. A nossa União Europeia é uma união de valores, que se baseiam na dignidade humana, na liberdade, na democracia, no Estado de direito e na paz. Isto é único no mundo. Mas só podemos construir uma sociedade voltada para o dia de amanhã e prevenir que o mundo volte a cair nos erros trágicos do passado se dermos à Europa uma dimensão politica completa.
O Parlamento Europeu recentemente eleito e a Comissão Europeia têm que dar provas que estão preparados para nos ajudar nesta mudança sistémica.
A covid-19 fez-nos perceber que precisamos de novas ideias para ultrapassar os desafios atuais e para nos adaptarmos ao mundo global, digital e conectado em que vivemos hoje.
A Europa é uma ideia e um projeto que pertence a todos nós. Para que tenha sucesso, temos que pôr de lado as visões negativas – preconceitos políticos, egos pessoais ou o medo da mudança, só para citar alguns – e, confiando na história das nossas fundações, acreditar na esperança sincera de construir uma das grandes civilizações do século XXI.
Valéry Giscard d’Estaing, antigo Presidente da França, fundador e presidente da Re-Imagine Europa (França); Magdalena Adamowicz, eurodeputada, fundadora da coligação internacional “Imagine There’s No Hate” (Polónia); Carina Autengruber, presidente do Fórum Europeu da Juventude (Áustria); Brando Benifei, eurodeputado, vice-presidente do Movimento Europeu Internacional (Itália); Elmar Brok, antigo eurodeputado e presidente da União dos Federalistas Europeus (Alemanha); Manuel Castells, ministro das Universidades de Espanha e professor de Sociologia (Espanha); Étienne Davignon, antigo vice-presidente da Comissão Europeia e presidente dos Amigos da Europa (Bélgica); Paolo de Castro, eurodeputado, antigo ministro da Agricultura de Itália (Itália); Giovanni Fosti, presidente da Fondazione Cariplo (Itália); Alain Lamassoure, antigo eurodeputado (França); Enrico Letta, antigo primeiro-ministro de Itália, reitor da Escola de Relações Internacionais da Sciences Po de Paris e fundador da Scuola di Politiche (Itália); Irene Milleiro, directora-geral da Change.org Foundation (Espanha); Carlos Moedas, antigo comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, administrador da Fundação Calouste Gulbenkian (Portugal); Isabel Mota, presidente do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian (Portugal); Hans-Gert Pöttering, antigo presidente da Fundação Konrad Adenauer e do Parlamento Europeu (Alemanha); Maria João Rodrigues, presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressistas e antiga eurodeputada (Portugal); Claus Haugaard Sørensen, membro do Grupo Consultivo em Emergências da Organização Mundial da Saúde e antigo conselheiro sénior em Ajuda Humanitária e Resposta a Crises da Comissão Europeia (Dinamarca); Daria Tataj, especialista em inovação e ex-presidente do Grupo de Alto Nível do comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação (Polónia); Nils Torvalds, eurodeputado (Finlândia); Boris Zala, antigo eurodeputado, fundador da Direção Social-democracia (Eslováquia)
Este artigo é publicado hoje em simultâneo nos seguintes jornais europeus: Le Soir (Bégica), Euractiv (Bruxelas), Altinget (Dinamarca), L’Opinion (França), Die Welt (Alemanha), Kathimerini (Grécia), La Repubblica (Itália), Rzeczpospolita (Polónia), PÚBLICO (Portugal), DennikN (Eslováquia), La Vanguardia (Espanha)
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico