As consequências psicológicas da quarentena

Na segunda sessão de Por Falar Nisso, uma iniciativa da Multicare, o psiquiatra Júlio Machado Vaz fala sobre os danos psicológicos do isolamento social e respectivas reações comportamentais.

Foto
D.R.

A propósito da pandemia que está a afectar todo o globo, e como uma das medidas de prevenção decretadas, muitos milhares de portugueses mudaram as suas habituais rotinas, adoptando comportamentos que agora aprendemos serem fundamentais à nossa sobrevivência. E entre uma das principais alterações está o confinamento obrigatório, esse isolamento profiláctico que entrou no vocabulário colectivo e sublinhou a nossa vulnerabilidade face a um inimigo invisível. 

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A propósito da pandemia que está a afectar todo o globo, e como uma das medidas de prevenção decretadas, muitos milhares de portugueses mudaram as suas habituais rotinas, adoptando comportamentos que agora aprendemos serem fundamentais à nossa sobrevivência. E entre uma das principais alterações está o confinamento obrigatório, esse isolamento profiláctico que entrou no vocabulário colectivo e sublinhou a nossa vulnerabilidade face a um inimigo invisível. 

Assim, quase sem sobreaviso, estamos em quarentena, em casa, uns em teletrabalho, outros por impossibilidade de conseguir exercer as suas actividades. Em muitos lares, famílias inteiras servem-se das novas tecnologias para trabalhar, estudar, fazer as habituais compras. E hoje, passado mais de um mês depois de decretado o primeiro Estado de Emergência, começamos a perceber que este vírus pode ser muito mais do que uma doença e provocar danos colaterais em termos psicológicos, não apenas pela já referida mudança de rotinas, mas também pelas incertezas sociais e económicas que tem ditado.

Duas formas de luta

Essa sensação de indefinição, muitas vezes revestida de angústia, é o tema central escolhido pela Multicare e por Júlio Machado Vaz para esta que é a segunda sessão de Por Falar Nisso. Para o psiquiatra, esta questão pode ser abordada numa dupla perspectiva: a dos profissionais de saúde e da sociedade em geral.

Em relação aos primeiros, Júlio Machado Vaz, elogia a sua prestação, referindo-se que «além de estar na linha da frente» desta luta, tem ainda «de lidar com o medo de infectar as suas famílias». O especialista defende que essa dupla preocupação pode levar a «eventuais consequências psicológicas de um período de stress brutal como este», como, por exemplo, «o stress-pós-traumático» que pode levar a cenários de «depressão», «crises de ansiedade», ou até mesmo influenciar o desempenho profissional.

Também na luta, mas mais resguardado dos campos de batalha, está a sociedade em geral, alvo (in)directo desta pandemia e que não está a salvo de qualquer estilhaço ou bala perdida nesta guerra pandémica.

A esse propósito, Júlio Machado Vaz refere um estudo realizado na Universidade do Minho que pretende avaliar «como a população tem vindo a reagir à pandemia» e quais os «resultados psicológicos da quarentena», que nos afastou fisicamente uns dos outros. Ainda assim, o psiquiatra faz a ressalva de que apesar desse isolamento «nunca na história da humanidade tivemos tantas possibilidades de nos ligarmos aos outros, através da tecnologia», uma ferramenta preciosa em termos de relacionamentos e efeitos psicológicos, e que reforça «as nossas redes de suporte social» e nos liga à vida real e ao contacto, mesmo que mediados por um ecrã.

Uma dúvida chamada futuro

Entre as questões analisadas pela referida pesquisa, Júlio Machado Vaz centra particular atenção ao «efeito angustiante, no mínimo produtor de confusão no público em geral, das incertezas», nomeadamente, «sobre o vírus e como funciona; se com o tempo quente abranda, se não abranda; se há segunda vaga; quando é que as coisas vão ficar, digamos assim, mais amenizadas em termos de decisões nos diversos países».​

O psiquiatra dá mesmo um exemplo concreto ao referir a falta de consenso do uso obrigatório de máscara ou da obrigatoriedade de confinamento aos idosos, sublinhando a instabilidade emocional e confusão que isso gera para a maioria de nós, principalmente a quem é psicologicamente mais vulnerável. Nesse sentido, indica, referindo-se às conclusões do estudo da Universidade do Minho, que «pessoas com sintomas de distúrbio obsessivo-compulsivo podem estar a vê-los tornar-se mais acentuados, e que a ansiedade pode estar a ser mais acentuada também».

Por outro lado, Júlio Machado Vaz indica ainda a relação estudada pela pesquisa entre a quarentena e as instabilidades emocionais resultantes do confinamento, e que pode elevar a probabilidade de dependências, nomeadamente de «o jogo online», pela agora ainda maior proximidade às tecnologias, prática, refere, «proibida em Espanha», que, assim como outras situações, «podem ser prejudiciais em termos do equilíbrio psicológico de todos nós».

Na próxima semana não perca mais um episódio, entretanto poderá seguir este projecto da Multicare no site Por Falar Nisso.