Regulador diz que nova lei não impede cortes nas comunicações

Mesmo com a aprovação de uma lei sobre o acesso aos serviços essenciais, clientes de telecomunicações continuam em posição vulnerável, garante a Anacom.

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A Anacom enviou ao Parlamento propostas de alteração para reforçar direitos dos utilizadores de comunicações Tiago Lopes

A lei aprovada recentemente na Assembleia da República para consagrar a garantia de acesso aos serviços essenciais (água, electricidade, gás natural e comunicações) tem fragilidades e deixa os clientes de telecomunicações em posição de poderem vir a ficar sem serviços.

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A lei aprovada recentemente na Assembleia da República para consagrar a garantia de acesso aos serviços essenciais (água, electricidade, gás natural e comunicações) tem fragilidades e deixa os clientes de telecomunicações em posição de poderem vir a ficar sem serviços.

A interpretação é da Anacom que, num comunicado divulgado esta quinta-feira, refere que a Lei n.º 7/2020, de 10 de Abril, que consagra que os vários serviços não podem ser suspensos durante o estado de emergência e no mês seguinte merece “um conjunto de clarificações e de melhoramentos” e “pode ser reforçada” no que diz respeito às telecomunicações.

O regulador enviou já à Assembleia da República “uma proposta que visa eventuais alterações” ao diploma, para “reforçar a protecção dos utilizadores de comunicações electrónicas”. Se para os fornecimentos de água, luz e gás, a interpretação da lei é clara, no que toca aos clientes de telecomunicações, a leitura é equívoca, diz a Anacom.

“Para que da leitura estrita da lei não resulte que pode haver suspensão do fornecimento quando os assinantes estejam em situação de desemprego ou o seu agregado familiar tenha sofrido uma quebra de rendimentos igual ou superior a 20% ou, ainda, que estejam infectados por covid-19, a Anacom recomenda uma reformulação da actual redacção” da lei.

A entidade reguladora refere mesmo que a formulação encontrada para o diploma define “um regime mais restritivo para estes utilizadores, em comparação com os utilizadores de outros serviços essenciais”, pois no caso das comunicações é exigido aos consumidores que estejam desempregados ou que tenham tido uma quebra de rendimentos de 20% ou que tenham sido infectados com o novo coronavírus para verem assegurado o seu direito ao serviço essencial de comunicações.

Como atestar a quebra de rendimentos?

Por outro lado, no que diz respeito à cessação unilateral dos contratos, a lei estabelece que os consumidores que se encontrem nas situações já mencionadas podem requerer o fim dos contratos, sem terem de compensar os operadores de telecomunicações.

Se o objectivo vai ao encontro de recomendações que a Anacom já fez, o regulador também diz que se levantam “dificuldades práticas” pois a lei não diz “quais os comprovativos que podem fazer prova da situação de desemprego ou redução de rendimentos”. Com isto, cada empresa fica com “total liberdade para definir que comprovativos aceita”.

Desde que a lei foi aprovada, o PÚBLICO questionou por diversas vezes o Ministério das Infraestruras e Habitação, que tem a tutela das comunicações, assim como o Ministério da Economia, onde está a pasta da defesa do consumidor, sobre a forma como deveriam os consumidores atestar a quebra de rendimentos, a situação de desemprego ou a situação de doença junto dos operadores. Não foi possível obter resposta.

O PÚBLICO também perguntou às empresas se já estavam a receber pedidos de interrupção de contratos ao abrigo da nova lei e se sim, que tipo de respostas estavam a dar aos clientes. Só a Vodafone respondeu: “Rescisões a esta data não têm tido expressão que justifique qualquer nota da nossa parte. Reconhecemos, porém, que é cedo para tirar qualquer conclusão”, disse fonte oficial da operadora.

Sobre esta possibilidade de cessação unilateral dos contratos – que o regulador diz estar no topo das preocupações que os clientes lhe têm feito chegar nas últimas semanas –, a Anacom refere ainda que a lei deveria ser reforçada com outra alternativa, a possibilidade de os clientes poderem obter a redução dos contratos para serviços mais simples e menos dispendiosos, ou mesmo a sua suspensão temporária, até que estejam ultrapassadas as dificuldades financeiras resultantes da crise pandémica.

Prestações e juros geram dúvidas

Sobre as dívidas acumuladas durante o período em que se mantiverem as medidas de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da covid-19, a Lei n.º 7/2020 refere que deverão ser regularizadas através de um plano de pagamentos acordado entre cada cliente e o seu prestador de serviços, com uma moratória de dois meses após o estado de emergência (supondo-se que o prazo começa a contar na data em que este estado terminar).

Segundo a Anacom, esta redacção da lei “deixa uma elevada margem aos prestadores de serviços para imporem condições de pagamento” que podem resultar em prestações muito elevadas.

Por isso, volta a recomendar que estas “não devem, salvo acordo expresso do assinante, ser superiores a metade do valor da mensalidade dos serviços contratados”. E o plano de pagamentos deverá ter duração mínima de seis meses, para se evitarem hipotéticas situações em que, findo o estado de emergência, os consumidores possam ser chamados a pagar, num só mês, o equivalente a duas ou mais mensalidades.

A lei também não proíbe a cobrança de juros de mora e de penalizações contratuais em consequência de atrasos no pagamento de facturas ou no carregamento de saldos, pelo que estes valores podem vir a somar-se às dívidas acumuladas, alerta a Anacom.

Reguladores de mãos atadas

Uma vez que a Lei n.º 7/2020 não prevê qualquer regime sancionatório no caso do seu incumprimento, as autoridades responsáveis pela supervisão dos prestadores dos vários serviços abrangidos por este regime ficam impossibilitadas de “reagir em caso de violação das regras estabelecidas no referido diploma”, sublinha ainda a Anacom.

Nas sugestões deixadas à Assembleia da República, o regulador refere também que o alcance do diploma deveria ser estendido às micro e pequenas empresas e organizações sem fins lucrativos que durante o período de excepção tenham cessado actividade ou registado quebras de rendimentos iguais ou superiores às que justificam a aplicação das medidas aos consumidores.