A resposta europeia à pandemia: é o momento de pensar fora da caixa

Defendemos que o Conselho Europeu deve aprovar um plano de recuperação económica centralizado (através de transferências que não contribuam para o endividamento dos Estados) e que tal seja financiado através de uma emissão de divida da própria União, garantida por novos recursos próprios – um imposto sobre a economia digital ou sobre as emissões de CO2.

Se os líderes europeus querem salvar a economia europeia (e talvez a própria União Europeia), quando se encontrarem esta quinta-feira vão ter de pensar fora da caixa. As decisões do Eurogrupo de 9 de Abril são, ao mesmo tempo, necessárias, tardias e insuficientes. São um compromisso bem vindo mas falhado e incompleto. As decisões do Eurogrupo dizem respeito ao financiamento da gestão da crise, mas não a como financiar e promover a recuperação económica. É positivo que o Eurogrupo tenha acordado trabalhar na criação de um Fundo de Recuperação Económica, mas faltam os detalhes e parece claro que não existirá uma emissão conjunta de dívida.

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Se os líderes europeus querem salvar a economia europeia (e talvez a própria União Europeia), quando se encontrarem esta quinta-feira vão ter de pensar fora da caixa. As decisões do Eurogrupo de 9 de Abril são, ao mesmo tempo, necessárias, tardias e insuficientes. São um compromisso bem vindo mas falhado e incompleto. As decisões do Eurogrupo dizem respeito ao financiamento da gestão da crise, mas não a como financiar e promover a recuperação económica. É positivo que o Eurogrupo tenha acordado trabalhar na criação de um Fundo de Recuperação Económica, mas faltam os detalhes e parece claro que não existirá uma emissão conjunta de dívida.

Nesta fase, é crucial identificar o que falta fazer, os recursos necessários para isso e o que justifica que a UE o faça. Defendemos que o Conselho Europeu deve aprovar um plano de recuperação económica centralizado (através de transferências que não contribuam para o endividamento dos Estados) e que tal seja financiado através de uma emissão de divida da própria União, garantida por novos recursos próprios.

Comecemos por definir o problema. De forma a mitigar o impacto da crise, os Estados-membros da UE já gastaram 3% do PIB. Com quedas do PIB que, provavelmente, vão ser muito superiores será necessário gastar bastante mais. Para alguns Estados europeus, fortemente endividados, isto traduz-se em níveis de endividamento insustentáveis, colocando em risco o Euro. Para além disso, a natureza da crise e das intervenções estatais necessárias apresentam um sério risco para a integridade do mercado interno, em particular de distorção da concorrência no seu seio.

Isto exige uma resposta europeia ambiciosa, sustentada tanto em razões de solidariedade como de equidade.

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Charles Michel, presidente do Conselho: esta semana há nova data-chave para a Europa John Thys/REUTERS

A aplicação do principio da solidariedade é particularmente justificada na sequência de um choque exógeno e simétrico, que não resulta do comportamento económico dos Estados (e onde, portanto, não se pode invocar o risco moral), mas tem um profundo impacto assimétrico devido às vulnerabilidades de alguns países. Adicionalmente, há argumentos económicos sólidos relacionados com as externalidades resultantes da incapacidade de certos Estados deixarem de conseguir pagar o serviço da sua dívida num contexto de taxas de juro elevadas.

Para além disso, a equidade é colocada em causa, uma vez que a flexibilização das regras do mercado interno pode ser aproveitada de forma muito diferente nos diferentes Estados-membros. A crise tem um particular impacto negativo nos sectores económicos que dependem da liberdade de circulação, sendo justificado intervir para corrigir isso. No entanto, se esta intervenção depender apenas dos Estados, ela poderá distorcer a concorrência. Os apoios dados pelos Estados vão variar de forma significativa, como simples consequência da sua diferente capacidade financeira e orçamental. A equidade, e não apenas a solidariedade, justifica e exige uma intervenção europeia ambiciosa, de forma a proteger a integridade do mercado interno e a igualdade de condições de concorrência das empresas independentemente do seu Estado de origem.

Se olharmos para o problema que enfrentamos através das exigências de solidariedade e equidade que resultam da insustentabilidade da dívida de alguns Estados, bem como dos riscos para a integridade do mercado interno, não é difícil perceber o que é necessário. Os líderes europeus devem promover um apoio económico centralizado na UE (e não destinado apenas a financiar os Estados) e constituído, pelo menos numa parte significativa, por transferências ou financiamento a fundo perdido, não contribuindo desta forma para o crescimento do endividamento dos Estados.

Isto conduz-nos à questão de como o fazer. Como financiar tal programa, assente em transferências e não endividamento estatal (como ocorreria com o mecanismo de estabilidade, a política do BCE ou os “coronabonds”)? A emissão de obrigações da própria União Europeia pela Comissão é possível. Na verdade, é até essa a solução apresentada para financiar o SURE (o programa de apoio temporário a medidas estatais de proteção do emprego). No entanto, essa emissão é limitada pelos constrangimentos orçamentais da UE (cujo orçamento atual é de aproximadamente 1% do PIB da UE). É isso que explica que o SURE esteja dependente de uma garantia parcial (e voluntária) dos Estados-membros.

Existe, no entanto, uma alternativa. Usar esta oportunidade para obter um acordo sobre novos recursos próprios (se necessário através da cooperação reforçada). Existem dois “candidatos” óbvios que um estudo recente, coordenado por um de nós, demonstrou terem um forte apoio nas opiniões públicas de todos os Estados-membros. O primeiro é um imposto sobre a economia digital, focado nas grandes empresas desta área que têm tido níveis de tributação muito inferiores, e um dos poucos sectores a beneficiar com esta crise. A segunda hipótese é um imposto sobre as emissões de CO2. Num contexto de queda do preço do petróleo, esta tributação também serviria para contrariar incentivos perversos a favor da manutenção de sistemas de produção e de consumo assentes nos combustíveis fosseis. Serviria assim para alinhar os objetivos da recuperação económica post covid-19 com o Green Deal ou Agenda Verde.

Estes novos recursos poderiam garantir e alavancar a emissão de dívida europeia necessária para financiar o Fundo de Recuperação Económica. A implementação e condições de acesso ao Fundo também deveriam servir para proteger o Estado de Direito nos Estados-membros, face às crescentes ameaças ao mesmo, nomeadamente através da independência das entidades que a nível nacional deveriam gerir esses fundos (bem como os fundos da coesão e agricultura).

Esta é uma proposta ambiciosa, mas viável, precisamente porque corresponde às preocupações de diferentes Estados-membros. Não depende da emissão conjunta de dívida nem impõe uma União de transferências, mas protege, ao mesmo tempo, os Estados fortemente endividados. Promove a solidariedade mas é, sobretudo, justificada pela necessidade de garantir a equidade no mercado interno. Promove o reforço do orçamento europeu e o financiamento necessário para o fundo de recuperação económica, sem aumentar as transferências dos orçamentos nacionais. E faz tudo isto, ao mesmo tempo que contribui para os três principais objetivos da agenda da União Europeia para lá da resposta à covid-19: regular a economia digital, promover a Agenda Verde (Green Deal) e proteger o Estado de Direito.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico