Um 25 de Abril em defesa do normal
Para muitos tornou-se insuportável a ideia de os deputados e alguns convidados comemorarem a liberdade.
Não é fácil ver ir quem nos disse para ficar. Nem que seja para ocuparem os seus lugares na Assembleia da República em nosso nome. Estamos há tanto tempo a ver um país fechado que para muitos se tornou insuportável a ideia de os deputados e alguns convidados comemorarem a liberdade.
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Não é fácil ver ir quem nos disse para ficar. Nem que seja para ocuparem os seus lugares na Assembleia da República em nosso nome. Estamos há tanto tempo a ver um país fechado que para muitos se tornou insuportável a ideia de os deputados e alguns convidados comemorarem a liberdade.
É pena que se sintam assim, mesmo que muitos alicercem essa incomodidade na ideia razoável de que os deputados estariam a fazer o contrário do que as autoridades têm recomendado. Uma reunião por contraponto à reclusão. O argumento perca por tardio para uma Assembleia que nunca deixou de estar em funcionamento, tal como, felizmente, muitos negócios e fábricas do país, pelo que há quem lhe adicione ainda o argumento da “utilidade”. Para eles, tudo poderia ser resolvido com uma videochamada.
É muito mau que assim pensem e é péssimo que a discussão tenha despertado a autofágica polarização do “nós” contra “eles”, povo versus políticos, amantes da liberdade contra professos fascistas, 25 contra 24 de Abril. O populismo mais reles andou à solta, e o epítome é o deputado que acha que a cerimónia do 25 de Abril é um absoluto desrespeito pelos cidadãos comuns, mas que no final de Março defendia que o Parlamento deveria ser “a última instituição do país a fechar portas”, porque “os deputados têm de manter o seu trabalho por Portugal e pelos portugueses”.
Nunca será bom se dermos a democracia por tão garantida que não achemos que o trabalho dos deputados, muito especialmente num período de diminuição dos nossos direitos e garantias, não é, exactamente, vigiar e exaltar a liberdade. E não se percebe porque é que, estando asseguradas as necessárias medidas de segurança sanitária, essa celebração não decorreria no coração da República, com os rituais que lhe são próprios. Democracia representativa é isto mesmo e o tom da discussão em torno da cerimónia do 25 de Abril, somado aos maus tempos que se avizinham, revela que ela tem de estar sempre a ser reaprendida e reafirmada.
Acresce que a cerimónia decorrerá a cerca de uma semana do fim daquele que se espera que seja, para já, o último período do estado de emergência e que corresponderá ao levantamento, mesmo que gradual, das restrições impostas por causa da epidemia. Mesmo que indirectamente, os deputados estarão a mostrar-nos o caminho para lidar com aquela que é agora a nossa maior questão: voltar a ter alguma vida que se pareça com um regresso à normalidade.