A cápsula do tempo de um professor a.C. (antes da Covid) e d.C. (durante a Covid)
Estes professores precisam de apoio e reconhecimento, porque são eles que fazem esta escola à distância seguir, mesmo com um roteiro que não os ouviu, para caminhar à velocidade da luz, assim a crise lhes está a exigir.
Passou uma semana após o início do 3.º período e, apenas numa única semana, a comunidade educativa percebeu o quão difícil será levar este pseudomodelo de Educação a Distância até algum lado, que não seja a caminho de um precipício. Porém, serão uma vez mais os professores que, por si, poderão evitar esse desfecho.
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Passou uma semana após o início do 3.º período e, apenas numa única semana, a comunidade educativa percebeu o quão difícil será levar este pseudomodelo de Educação a Distância até algum lado, que não seja a caminho de um precipício. Porém, serão uma vez mais os professores que, por si, poderão evitar esse desfecho.
Uma única semana de cada teleprofessor deste país, assemelhou-se a um período lectivo inteiro numa escola… em que se tenta apenas ser professor! Assim, podemos fazer uma nova divisão temporal, a.C. (antes da Covid) e d.C. (durante a Covid).
Mas, o que significa, hoje, ser professor?
O Professor António Nóvoa referia-nos em Setembro, nos Encontros SUPERTABi 2019, na Maia, que temos, desde há muito, escolas do século XIX, com professores do século XX e alunos do século XXI. Ora, estas premissas ajudam a perceber algumas das dificuldades que experienciamos hoje, com as diversas pandemias, neste caso, a digital, para a qual também os professores não estavam, de todo, preparados.
Se fizermos uma pequena viagem numa cápsula do tempo a.C. (antes da Covid), verificamos que, por um lado, as escolas portuguesas estavam a ser, e muito bem, reconstruídas com espaços educativos mais modernos, com atracção arquitectónica e também num formato mais tecnológico, ou não existissem pelo país mais de 300 espaços denominados “Salas de Aula do Futuro”. Estas salas estão equipadas com computadores, tablets, impressoras 3D, quadros interactivos, mesas digitais, kits de robótica e outros equipamentos digitais.
Por outro lado, a pouca aposta (poder-se-ia discutir de quem) na formação contínua de docentes para que essa utilização dos espaços educativos e para que as “novas” tecnologias instaladas não fossem apenas do foro técnico (como foram na maioria). Alguns municípios e algumas lideranças das escolas manifestam uma visão curta para a Educação, e não aproveitaram o momento para dar tempo aos professores para repensar e desenhar modelos pedagógicos para cada uma das suas escolas, que lhes permitissem ter um modelo educativo colaborativo e flexível para a aprendizagem. Mas, para repensar, necessitamos de direcções pedagógicas que tomem esse caminho, que ajudem o seu corpo docente a reencontrar a sua profissão de aprender ao longo da vida, reaproveitando todas as potencialidades do conhecimento para redefinir estratégias. Fácil é perceber que são esses os casos de sucesso nesta pseudo Educação a Distância, que se preveniu e criou uma escola do século XXI, também ela em a.C. (antes da Covid).
Os tais professores do século XX, conforme já referido, são os mesmos professores que foram rejeitando esta evolução da sociedade, que pensaram que ser professor está num tempo verbal passado… mas que rapidamente se aperceberam que ser professor é o presente e o é para toda a vida, indissociável do próprio tempo da mesma.
Ainda assim, muitos professores foram adquirindo competências técnicas do uso da tecnologia, mas também sem perceberem que não é a tecnologia que precisa de entrar na sala de aula, porque esta já lá existe, mas são as actividades quando bem planeadas que a farão emergir naturalmente. Muitos destes professores que se redefiniram, fizeram-no através de comunidades práticas de aprendizagem, percebendo que a colaboração e o trabalho interdisciplinar e em rede é a chave do sucesso de uma escola ubíqua do século XXI.
Mas então e os alunos do século XXI?
Pois, estes alunos vão tendo competências intuitivas e habilidades tecnológicas, mas sem a consciência da função de aprendizagem destacada. Andam há anos com aprendizagens que não se tornam significativas, porque não percebem a necessidade para o quotidiano. É necessário que a escola olhe para estes alunos e os ajude a pensar e reflectir, ao invés de apenas os testar e avaliar. Mas num mundo digital, os alunos precisam de interpretar, compreender e decidir criticamente as suas acções, assim como serem educados numa verdadeira cidadania digital, que agora está tão na ribalta com as aulas online.
A alunos e professores faltaram as experiências pedagógicas de cenários de aprendizagem invertidos, de aprendizagem com jogos, aprendizagem baseada em projectos, criação de storytelling, entre tantos outros modelos que potenciam o papel activo do aluno, alterando o papel do professor para moderador de aprendizagem, não se limitando a ser uma biblioteca de conteúdo. Estas experiências em contextos presenciais foram sendo rejeitadas, considerando que havia tempo para as colocar em prática, mais uma vez projectando o ser professor no tempo verbal errado, desta feita no futuro, quando o deveria ser no presente.
Assim, partilho duas questões:
- Como poderíamos esperar que para a grande maioria dos professores, este pseudomodelo de Educação a Distância lograria alguma vez (para muitos são as primeiras experiências antes rejeitadas)?
- Será que neste pseudomodelo de Educação a Distância importam mais os conteúdos de um currículo amorfo que um professor (tenta) ensinar aos alunos ou desenvolver conceitos e competências chave nos alunos?
Esta situação de Educação a Distância coloca em cima dos ombros de tantos professores um peso descomunal e uma exposição que não merecem. Para se demonstrar que a escola não parou, não podemos impor uma velocidade vertiginosa nesta Educação que não é de igualdade e nem de equidade.
Mas vamos abrir a cápsula do tempo neste presente e dizer em voz bem alta, que estes professores precisam de apoio e reconhecimento, porque são eles que fazem esta escola à distância seguir, mesmo com um roteiro que não os ouviu, para caminhar à velocidade da luz, assim a crise lhes está a exigir. Estes professores sem protecção, expostos para a sociedade, com os seus receios, as suas angústias e as suas fragilidades, como profissionais que o são! Mas, como não são fruto de uma cápsula do tempo futuro, vão errar, como sempre qualquer um erra, e disso construir força. Em pouco tempo, também ficaram bem patentes as suas competências de adaptação a novas realidades, a sua criatividade, a sua força de vontade para uma rápida aprendizagem (querer sempre é poder), evidenciando o seu desenvolvimento profissional ao longo da profissão e da vida.
Para se ser professor precisa-se de tempo para reflectir, para auto-avaliar e melhorar a sua acção junto dos alunos. Mas o que tem acontecido numa única semana de aulas é a mais alucinante viagem online, numa montanha russa entre a sala e o escritório, a cozinha e a varanda, ora com o turma A, ora com a turma B, e já agora, num imediatismo completamente tresloucado, de respostas a reuniões consecutivas de departamento, de pedagógico, de ano e de pais… porque, afinal, os professores estão em casa, e por isso têm tempo…
Os professores não têm tempo, como já não o tinham, porque vivem com horas de aulas, sejam síncronas (não são só videoconferências) ou assíncronas (todos já perceberam que dá bastante trabalho). Os professores estão completamente desamparados, solitários e com a diferença que, agora, são empurrados para correr dia-a-dia 100 metros com barreiras!
Estes professores precisam de tempo, e tempo é o que não têm e não lhes é dado... Estes professores precisam de dar tempo aos alunos e tempo é o que não lhes conseguem dar... E para se poder ser melhor professor, esta é uma profissão que precisa de tempo… para ler, tempo para criar, tempo para estar, tempo para partilhar, tempo para conversar, tempo para sentir, tempo para rir, tempo para parar, tempo para pensar, tempo para reflectir, tempo para o ser...
Aos professores deste país, parabéns pela coragem de, num mundo completamente do avesso, ainda terem tempo (mesmo que não o tenham) de preencher as enormes burocracias desta nova escola “digital”... que, ao invés de simplificar a profissão e a arte de ensinar, veio contribuir para que não se perceba que a tecnologia educativa não é para o fim que se lhe tem dado!
Aos professores deste país, parabéns pela coragem de tentarem combater o controlo métrico administrativo feito e sentido no seu dia-a-dia, para medir, avaliar e comprovar o que cada um fez, faz e fará, resistindo sempre com ética e fazendo o melhor que conseguem.
Aos professores deste país, parabéns pela coragem de enfrentar este enorme desafio, no qual não há tempo para perceberem que existe um vírus que os colocou nesta situação... e ter o tempo para se angustiarem, para sentirem as dores desta calamidade mundial.
Mas, não há tempo, porque é necessário preparar os diversos relatórios de evidências dos trabalho de alunos (o digital também exporta dados), planos semanais e diários, faltas e presenças, sumários e planos individuais de trabalho, exercícios e fichas de trabalho, correcções e feedback, construir apresentações electrónicas, ePortefólios, guiões de aprendizagem diferenciados para os imensos alunos, mais um roteiro ou roteirinho, atender os telefonemas dos encarregados de educação a quem foram “obrigados” a fornecer o seu número pessoal, como de um call center se tratasse, realizar videoconferências para alunos ou com colegas, em reuniões de trabalho para articular as articulações, e ainda responder às dezenas de e-mails de pais, alunos, colegas, direcção, que precisam de ter tudo resolvido no tempo verbal passado, em que o ontem é uma velocidade insuportável de acompanhar… com um imediatismo digital inexequível de responder!
Aos professores deste país, parabéns pela coragem de se multiplicarem em esforços e soluções para não abandonarem cada aluno. Mas também para todos aqueles que têm filhos em casa para proteger, e não consegue deles ser professores, e ainda ter tempo para os deitar e acarinhar!
Num mundo repleto de burocracias e que anda a uma velocidade estonteante, este é o momento de ter calma, este é o tempo de caminhar por casa com passos curtos e seguros, porque não é aconselhado correr pela rua aos encontrões. Este é o tempo de sobreviver a esta velocidade da “rede” dos gigabytes e por algum tempo processar em pequenos bytes para reaprender a ser professor e prosseguir esta profissão da melhor forma...
O maior problema nunca vai estar na velocidade da Internet ou no equipamento usado, mas sim na velocidade de processamento cerebral... e o cérebro de um professor ainda não corre em 5G... mesmo que o possam estar a forçar!
Esta cápsula do tempo de professor d.C. (durante a Covid) não reside numa época normal, nem vive uma situação comum, por isso não a podemos tornar em algo que não o é!