Mesmo sem as mortes por covid-19, Portugal teve “excesso de mortalidade” entre Março e Abril
O grupo de investigadores da Escola Nacional de Saúde Pública afirma que os meses de Março e Abril são, normalmente, meses com um mortalidade mais baixa, mas assinala que, em 2020, é de notar uma inversão a partir de 11 de Março, passando a registar-se um excesso de óbitos acima da média dos dez anos anteriores.
Uma equipa da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) analisou o número de mortes registadas entre 16 de Março — dia em que foi contabilizada a primeira morte por covid-19 em Portugal — e 14 de Abril e descobriu, com base nos registos de mortalidade diária dos últimos 10 anos, que se registaram mais 1255 óbitos do que o previsto.
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Uma equipa da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) analisou o número de mortes registadas entre 16 de Março — dia em que foi contabilizada a primeira morte por covid-19 em Portugal — e 14 de Abril e descobriu, com base nos registos de mortalidade diária dos últimos 10 anos, que se registaram mais 1255 óbitos do que o previsto.
Com base na mortalidade registada pelo Sistema de Informação de Certificado de Óbito (SICO), a equipa estimou o número médio de mortes esperado para os meses de Março e Abril num projecto que apelidou de Barómetro da Covid-19. E concluiu que foi registado um “excesso de mortalidade”, os tais 1255 óbitos contabilizados, durante o período analisado, e que este factor afectou de forma “desproporcionada” as pessoas com mais de 75 anos. “Durante o mês do estudo registou-se um excesso de mortalidade de 1030 óbitos de pessoas com mais de 75 anos e só 67 óbitos acima do número esperado para pessoas com 65 a 74 anos”, pode ler-se na conclusão do estudo.
Um mês depois de a covid-19 ter feito a primeira vítima mortal em Portugal, registaram-se 599 mortes relacionadas com a doença no nosso país, o que corresponde a uma incidência cumulativa de cerca de 176 casos por 100 mil habitantes e uma letalidade de 3,3 %.
O grupo afirma que os meses de Março e Abril são, normalmente, meses com um mortalidade mais baixa que os anteriores, mas assinala que, em 2020, é de notar uma “inversão dessa norma a partir de 11 de Março, passando a registar-se um excesso de óbitos acima da média dos dez anos anteriores”.
Excesso de mortalidade em Março e Abril
Mas uma das grandes conclusões do estudo passa por uma questão mais particular. Os investigadores afirmam que mesmo subtraindo o número de mortes causadas pela covid-19 aos números totais da mortalidade, continua a observar-se um “excesso de mortalidade” acima da média dos 6 últimos anos.
“Entre 16 de Março e 14 de Abril de 2020, registou-se um excesso de mortes em relação aos óbitos que se estimaram para uma situação em que não houvesse epidemia — 599 destes óbitos foram registados como sendo causados pela covid-19. Os outros 615 (51%) foram registados como sendo causados por outras patologias”, avançam os especialistas.
E como se explica este excesso de 615 óbitos contabilizados por outras causas que não por infecção com o novo coronavírus? Os investigadores propõem quatro explicações que podem ajudar a perceber estes valores.
A primeira passa pelo facto de algumas dessas pessoas terem morrido por covid-19, mas, na altura da morte, não existir um diagnóstico laboratorial confirmado. “Muitas pessoas idosas morreram fora do ambiente hospitalar, em instituições ou em casa, sem terem acesso a um teste diagnóstico”, revela a equipa. Além disso, muitas que morreram com infecção por covid-19, mas tinham outras doenças associadas que podem ter sido apontadas como a causa da morte.
O grupo afirma também que muitas pessoas, com doenças agudas ou crónicas graves, podem não ter procurado o sistema de saúde por "medo de serem contaminadas” e podem ter falecido sem assistência. “Outras terão procurado os serviços de saúde, mas encontraram as estruturas, os profissionais e os equipamentos fortemente dedicados à resposta aos doentes com covid-19, não tendo por isso recebido o nível de atenção que teriam recebido em circunstâncias normais”, avançam os investigadores.
Todas estas razões, aponta a equipa, podem fazer com que as estimativas apresentadas no seu estudo sejam conservadoras.
Outras das conclusões dos investigadores é que durante o período analisado, foi registado um número de óbitos por causas externas inferior ao que seria de esperar com base nas médias dos últimos dez anos. “Esta redução parece ser devida às severas limitações à mobilidade viária impostas pelas autoridades, no actual contexto da pandemia. Este facto sugere que o excesso de mortalidade durante o mês de covid-19 teria sido ainda maior se não tivessem quase desaparecido os óbitos por causa externa associados com a mobilidade das pessoas”, conclui o grupo.
Em comparação com algumas semanas de Março, na segunda semana de Abril já parece existir uma descida da mortalidade observada, algo que pode estar associado às regras de distanciamento social impostas pelo Governo português e, sugerem os investigadores, “à alta adesão da população portuguesa a essas medidas”.
De acordo com as informações divulgadas pela Direcção Geral de Saúde (DGS), Portugal contabiliza um total de 762 mortes por covid-19. Há ainda 21.379 casos confirmados de infecção. Ao todo, 917 pessoas são consideradas “curadas”.