Há mais pensões sobrelotadas em Lisboa, o que faz temer explosão de casos
Câmara e junta de freguesia não sabem quantas pensões são usadas para alojar quem requer asilo, que actualmente serão cerca de mil pessoas. Alertas sobre sobrelotação repetem-se há muito tempo.
Por toda a Rua Morais Soares, entre a Praça do Chile e a Praça Paiva Couceiro, não são muitos os prédios onde não há pensões ou residenciais. Algumas identificam-se bem pelos anúncios nas portas e janelas ou pela placa AL que há uns anos se tornou obrigatória, mas outras só se descobrem mais de perto, num minúsculo autocolante junto a uma campainha ou num painel numérico para desbloquear a porta.
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Por toda a Rua Morais Soares, entre a Praça do Chile e a Praça Paiva Couceiro, não são muitos os prédios onde não há pensões ou residenciais. Algumas identificam-se bem pelos anúncios nas portas e janelas ou pela placa AL que há uns anos se tornou obrigatória, mas outras só se descobrem mais de perto, num minúsculo autocolante junto a uma campainha ou num painel numérico para desbloquear a porta.
“Então não há! Vários, com seis e sete camas em cada quarto”, assegura um comerciante, que prefere não ser identificado. Um pedido comum a todas as conversas na zona, onde a realidade das pensões com muita lotação já não é nova. “Conheço uma senhora com mais de 80 anos que partilha quarto com rapazes de 15 e 16”, relata outro lojista.
No domingo, a evacuação de uma pensão nesta rua de Lisboa veio pôr a nu as precárias condições em que muitas pessoas, sobretudo em situação de sem abrigo, imigrantes e refugiados, vivem há anos. Com a confirmação de 136 casos positivos de covid-19 entre os hóspedes, que catapultaram Lisboa novamente para o topo da lista dos concelhos com mais pessoas infectadas, o receio agora é que outros estabelecimentos do género estejam na mesma situação e o novo coronavírus encontre um caminho fácil para se espalhar.
“Ainda em Dezembro alertámos todas as instituições para as queixas que recebemos de sobrelotação dos hostels”, diz Alexander Kpatue Kweh, coordenador do Fórum Refúgio, um projecto da União de Refugiados em Portugal. “Os refugiados não conseguem falar com as instituições, então vêm falar connosco”, resume o responsável, assumindo que estes alertas não têm dado frutos. “Infelizmente, chegou a este ponto.”
O Conselho Português para os Refugiados (CPR), entidade que colocou as 169 pessoas na pensão da Morais Soares, diz que há cerca de 800 requerentes de asilo em pensões, quartos arrendados e apartamentos. O número contrasta com o avançado pelo Ministério da Administração Interna (MAI), que refere ao PÚBLICO que “há cerca de 1100 requerentes de asilo a aguardar resposta aos seus pedidos” e que, “por regra, ficam instalados em Lisboa e em locais indicados pelo CPR.”
É para este organismo que se viram todas as atenções. Tanto o Fórum Refúgio como a Junta de Freguesia de Arroios como a Câmara de Lisboa dizem não saber ao certo quantos hostels e pensões estão a ser usados para alojamento temporário de imigrantes e refugiados — e em que condições vivem as pessoas. Nesta terça-feira, o PÚBLICO remeteu perguntas sobre este assunto ao CPR, mas não obteve respostas.
Mónica Farinha, presidente desta organização não governamental para o desenvolvimento (ONGD), disse à agência Lusa que a situação “não é a ideal em termos de acolhimento, mas, tendo em conta o aumento dos pedidos desde há uns anos e a demora na transição dos requerimentos, foi a forma encontrada” para ultrapassar a sobrelotação dos centros de acolhimento oficiais.
Para Margarida Martins, presidente da Junta de Arroios, a justificação não colhe. “O CPR nunca veio ter connosco. Vão ter de explicar a quem é que pediram apoio para alojar estas pessoas”, diz a autarca, lembrando que existem vários quartéis das Forças Armadas na cidade, bem como edifícios municipais que podiam ser utilizados para este fim com melhores condições.
Desde domingo que o telefone da Junta de Arroios não pára de tocar. “A nossa população está tão assustada que ligam pessoas constantemente a pedir-nos para ver este e aquele hostel”, diz Margarida Martins, sublinhando que a junta não tem competência de fiscalização hoteleira. “Andamos a alertar para esta situação há bastante tempo. Pensões para migrantes onde as pessoas se amontoam, mesquitas ilegais. A ASAE e o SEF têm conhecimento destas situações”, garante.
Pela Câmara de Lisboa, o vereador dos Direitos Sociais afirma que “não tinha conhecimento” da situação da Rua Morais Soares e também desconhece quantas outras pensões e residenciais estão a ser usadas para este fim e em que condições. “Como permite o Ministério da Administração Interna e o SEF que o acolhimento de refugiados seja feito nestas condições?”, pergunta Manuel Grilo, eleito pelo BE. A autarquia tem desde 2015 um Centro de Acolhimento Temporário de Refugiados no Lumiar, onde estão actualmente 19 pessoas. Há ainda 51 pessoas em apartamentos “em que cada pessoa/casal tem um quarto”, diz Manuel Grilo.
Na quinta, o eleito vai levar à reunião de câmara uma moção em que aponta o dedo ao Estado. “Esta e outras respostas de alojamento escolhidas pela tutela não têm em consideração as recomendações de saúde pública e não se afiguram como a resposta indicada para estadas de longa duração”, defende Grilo no documento.
Entre as 169 pessoas que estavam alojadas na Morais Soares e que entretanto foram transferidas para a Base Aérea da Ota, “a grande maioria teve o seu pedido de protecção não admitido, tendo interposto recurso nos termos da lei”, informou na segunda-feira o CPR ao PÚBLICO. “Um grupo de menor dimensão encontra-se na fase de admissibilidade”, acrescentou ainda o organismo, sublinhando que o alojamento na pensão da Morais Soares foi feito pelo CPR “com conhecimento das entidades parceiras” — a Segurança Social, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML). Contactados pelo PÚBLICO, o SEF e a SCML remeteram esclarecimentos sobre o caso para o CPR.
De acordo com o MAI, o CPR “é apoiado financeiramente pelo SEF” para garantir o acolhimento dos requerentes de asilo. O ministério liderado por Eduardo Cabrita não especifica qual é o montante em causa e não esclarece se tem conhecimento oficial de pessoas alojadas em pensões, garantindo apenas que “desconhece a existência de denúncias sobre as condições de alojamento dos requerentes de asilo”.