Carta aos avós dos nossos filhos

Tirar os avós aos nossos filhos é o mais difícil de todos os desafios, dizer-lhes que não podem ir ver os avós quando eles nos pedem uma e outra vez chega a ser fisicamente doloroso.

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Johnny Cohen/Unsplash

Queridos avós,

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Queridos avós,

Numa altura em que todas as preocupações se parecem centrar na eventual reabertura das creches, escrevo-vos para dizer que, lá no fundo, essa nem é uma questão que me preocupe assim tanto. Na verdade, aquilo que realmente me tira o sono e deixa o meu coração do tamanho de uma noz é não existir uma data para o vosso reencontro com os nossos filhos.

Sabem, sinto que não temos falado o suficiente nesta questão, tão preocupados que andamos com actividades pedagógicas, currículos e exames. É uma coisa muito nossa, não é? Deixarmos que o menos importante nos devore e empurrar o essencial para o canto, quase como se acreditássemos que assim fica mais fácil. O pior é que não fica e tenho a certeza de que a vossa ausência, muito mais do que qualquer outra coisa, tem feito sofrer os vossos netos. É verdade que fazemos videochamadas, é verdade que vamos mantendo o contacto possível… Mas também é verdade que o vosso colo e o vosso mimo são impossíveis de substituir.

É, nós podemos tentar. Podemos ser um bocadinho mais permissivos, podemos passar mais tempo a brincar, podemos cantar as mesmas canções que vocês nos cantavam quando éramos nós os pequeninos… Acontece que, apesar do esforço, as nossas fatias douradas nunca serão como as vossas, a vossa sopa terá sempre outro sabor e a nossa voz ainda não carrega a doçura que o passar dos anos vos conferiu.

Às vezes é estranho ver-vos no papel de avós, acreditam? De repente vocês já não são só os nossos pais, o vosso colo cresceu, a vossa paciência triplicou… E nós olhamos e dizemos que vocês nos estragam os miúdos e que em meia dúzia de horas destroem as regras que levámos semanas a criar. O que não vos dizemos nunca é como adoramos que isso aconteça, como é importante para nós perceber o tamanho do vosso amor e como ficamos tão mais tranquilos por perceber que, tal como para nós, também para os nossos filhos vocês são porto seguro.

Este isolamento tem sido duro e marcado por provações difíceis. E os mais pequenos não são excepção. O confinamento a um espaço físico limitado, a escassez de contacto com outras crianças, as saudades das rotinas e dos amiguinhos da creche ou da escola… Ainda assim, nenhuma destas provações é comparável com a vossa ausência. Tirar os avós aos nossos filhos é o mais difícil de todos os desafios, dizer-lhes que não podem ir ver os avós quando eles nos pedem uma e outra vez chega a ser fisicamente doloroso.

Muito se tem falado sobre a família ao longo das últimas semanas. Vozes cheias de sapiência que nos pedem para valorizar este tempo e até algumas, um bocadinho menos “sabedoras”, que nos mandam agradecer pela possibilidade de estarmos juntos. Mas sabem o que vos digo? Que sem vocês, sem os avós, nada disto faz sentido. A família só é família quando vocês também estão, quando os nossos filhos podem passar dias convosco a brincar na terra e a comer todas as guloseimas que habitualmente lhes estão vedadas em casa.

Estou, como acredito que a esmagadora maioria das pessoas, farta deste isolamento. E a principal razão é a vossa ausência. Porque a vida sem avós é mais triste. Para os nossos filhos e para nós.

Temos muitas saudades vossas. Muitas.