Da educação familiar em tempos difíceis
O mais importante será manter uma relação regular e positiva com as tarefas escolares, com os professores e com a escola. Assim, as aprendizagens irão certamente surgir e a tempo.
A situação que vivemos é inédita na sua dimensão e impacto e coloca desafios de enorme complexidade.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A situação que vivemos é inédita na sua dimensão e impacto e coloca desafios de enorme complexidade.
No universo da educação, escolar e familiar, as alterações introduzidas envolvendo crianças, adolescentes e jovens o cenário é ainda mais exigente para todos. Umas notas breves sobre a educação familiar em tempos de confinamento e ensino à distância.
Os alunos, da creche ao superior, estão em casa bem como parte significativa dos pais. Não existe manual de instruções para lidar com uma experiência desta natureza como, aliás, também não existe em qualquer circunstância.
A situação gera um quadro complexo envolvendo variáveis como tipologia das famílias (monoparentais ou em guarda partilhada), número e idade dos filhos, existência de crianças ou adolescentes com necessidades especiais, espaços da habitação, situação dos pais (em apoio familiar, em teletrabalho), para além de aspectos que têm sido particularmente referidos como desigualdades nas famílias nos recursos, na acessibilidade à net ou no nível de literacia digital e geral.
Neste quadro podem ainda emergir questões de natureza mais psicológica, stresse, ansiedade ou risco de conflitualidade, embora também possamos acreditar no reforço dos níveis de comunicação.
Neste cenário tão diferenciado, não existem dois contextos familiares iguais, mais do que tentar a tarefa impossível e errada de mostrar uma receita para pais julgo ser possível apresentar alguns princípios orientadores que, adaptados conforme as idades e circunstâncias que já referi, podem contribuir para dias tão serenos quanto possível. Dificilmente o serão como os desejaríamos, mas crianças e adultos são resilientes e com capacidade de aprendizagem e adaptação.
Uma primeira ideia remete para a utilidade da definição de rotinas ajustadas à(s) idade(s) dos filhos e necessidades dos pais. Pode não ser fácil, mas as rotinas ainda que com flexibilidade são essenciais como organizadoras e reguladoras do nosso comportamento dos mais novos. Nestas rotinas incluem-se tanto o brincar como o estudar conforme as actividades e calendários estabelecidos pelos professores no âmbito do ensino à distância.
Estas rotinas, com flexibilidade, insisto, podem também contribuir para promover maior autonomia nas crianças mais novas “aliviando” os pais. Eventualmente, sendo possível e estando disponíveis, os irmãos podem ser envolvidos em algumas actividades tendo os mais velhos um papel de “tutoria”.
O grau de autonomia, de concentração nas actividades ou as motivações são, evidentemente, variáveis com a idade. Assim, as diferentes actividades devem ser adequadas na duração e na natureza e estimular a autonomia. Parece ainda necessário estar atento aos riscos que uma exposição excessiva das crianças mais pequenas aos ecrãs que, mais do que nunca, são o companheiro do lado.
Parece-me importante que os mais novos sejam esclarecidos sobre o que acontece levando em conta a idade e natural curiosidade. No entanto, importa ser económico e simples nas abordagens minimizando ansiedade ou medo indefinido que um “excesso” de informação ou a audição de conversas entre adultos pode instalar.
Com o início das “aulas” e de acordo com os anos de escolaridade recebemos das escolas orientações relativamente ao trabalho escolar a realizar em casa. Se for acompanhado pelos pais, da forma possível pois muitos terão actividade profissional o que sublinha a importância da definição de algumas rotinas, pode ser facilitada a relação dos mais novos com essas tarefas de natureza mais escolar.
É importante uma comunicação estreita e regular com os professores de forma a desenvolver dispositivos de apoio recíproco. Ter alunos, sobretudo os mais novos, do outro lado de um ecrã não é o mesmo que numa situação presencial e mais duradoura.
Parece-me ainda necessário que estejamos atentos e desejavelmente serenos pois a situação, só por si, pode ser geradora de intranquilidade e fonte de ansiedade e stresse. Uma dessas fontes de inquietação será a questão da aprendizagem escolar, mas creio que, sobretudo com os mais novos, deveremos ser prudentes e optimistas, terão sempre hipótese de recuperar algo que agora não foi tão “bem aprendido”. O mais importante será manter uma relação regular e positiva com as tarefas escolares, com os professores e com a escola. Assim, as aprendizagens irão certamente surgir e a tempo. Nos alunos mais crescidos e com maior autonomia, a sua experiência e o apoio dos professores conduzirão a nau a bom porto.
Como disse, não existe um manual para lidar eficaz e tranquilamente com esta situação em que estamos permanentemente a aprender.
No entanto, acredito na resiliência da generalidade dos pais e das crianças e jovens como também acredito que os pais vão encontrar forma de lhes dar a mão na travessia destes tempos difíceis.