Entre críticas à sua gestão da crise, Johnson receia segunda vaga de covid-19
Governo britânico está dividido entre os que defendem alívio das restrições e os que privilegiam supressão do vírus. Acusado de ter estado “desaparecido em combate”, primeiro-ministro enfrenta teste à sua liderança no combate à pandemia no Reino Unido.
Cavalgada a primeira vaga de propagação do novo coronavírus no Reino Unido, com grandes sacrifícios humanos e económicos, o Governo britânico já deu o pontapé de saída na discussão sobre o calendário para o alívio das medidas de contenção e confinamento. O receio de uma segunda onda de contágio está a levar Boris Johnson a temer pela reabertura, ainda que gradual, do país, mas a sua liderança está a ser cada vez mais posta em causa, depois de a imprensa ter revelado que falhou cinco reuniões ministeriais de emergência no início da crise, quando foram tomadas decisões cruciais sobre a estratégia do executivo para a pandemia.
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Cavalgada a primeira vaga de propagação do novo coronavírus no Reino Unido, com grandes sacrifícios humanos e económicos, o Governo britânico já deu o pontapé de saída na discussão sobre o calendário para o alívio das medidas de contenção e confinamento. O receio de uma segunda onda de contágio está a levar Boris Johnson a temer pela reabertura, ainda que gradual, do país, mas a sua liderança está a ser cada vez mais posta em causa, depois de a imprensa ter revelado que falhou cinco reuniões ministeriais de emergência no início da crise, quando foram tomadas decisões cruciais sobre a estratégia do executivo para a pandemia.
O Sunday Times revelou, no domingo, que o primeiro-ministro entendeu não ser prioritário marcar presença nas chamadas reuniões “Cobra” (sigla para Cabinet Office Briefing Room A) de Janeiro e Fevereiro, convocadas propositadamente para responder a uma situação de crise e urgência nacional. Só o fez a 2 de Março.
Downing Street confirmou o relato do semanário, mas retirou-lhe importância, afiançando que Johnson estava a par de tudo. Jonathan Ashworth, trabalhista e “ministro-sombra” da Saúde, acusou-o, ainda assim, de ter estado “desaparecido em combate” numa altura em que “o mundo inteiro já tinha percebido a gravidade do que estava para vir”. E nacionalistas escoceses e liberais-democratas juntaram-se às críticas.
Somando essa ausência propositada à ausência forçada, por ter sido infectado pela covid-19 – deu entrada nos cuidados intensivos e teve de delegar a liderança do Governo no ministro dos Negócios Estrangeiros, Dominic Raab –, e acrescentando-lhes as críticas pela decisão controversa de, numa primeira fase, se adoptarem medidas menos restritivas que as da maioria dos países europeus, a pressão sobre o primeiro-ministro é, por estes dias, gigantesca, e a margem de manobra reduzida, depois do estado de graça trazido do combate do “Brexit”.
Mais ainda porque, pouco mais de um mês depois da enunciação dessa primeira abordagem, comedida e concebida para se “reduzir e atrasar do pico” de contágio e se “criar de imunidade de grupo” – mas abandonada ao fim de dez dias –, o Reino Unido apresenta uma situação sanitária alarmante: cerca de 125 mil infectados, mais de 16 mil mortos, menos de metade dos testes diários prometidos e escassez de material de protecção para os profissionais de saúde.
“Todos os governos cometem erros, incluindo o nosso. Procuramos aprender e melhorar todos os dias. No futuro teremos a oportunidade de olhar para trás, de reflectir e de retirar algumas lições importantes”, defendeu o líder do Conselho de Ministros, Michael Gove, questionado pela BBC se o Governo conservador errou na primeira abordagem à pandemia.
Aliviar ou manter restrições?
Desde o dia 23 de Março que o Reino Unido está em confinamento. Foi divulgada uma lista reduzida de “motivos” que permitem que uma pessoa possa sair de casa sem arriscar ser multada, foram proibidas reuniões ou ajuntamentos de mais de duas pessoas e encerraram-se escolas e estabelecimentos entendidos como “não-essenciais”, como restaurantes, pubs, cafés, ginásios ou locais de culto religioso.
Mas face a um cenário epidemiológico que parece estar a empurrar o país para números próximos de Espanha e de Itália, a discussão sobre o levantamento, a suavização ou a manutenção das medidas de contenção do vírus está ser gerida com pinças pelos membros do Governo, que contam apresentar um calendário concreto sobre o tema daqui a aproximadamente três semanas, já com Johnson ao leme.
Segundo o Financial Times, o Conselho de Ministros está partido ao meio, entre os que defendem o alívio gradual das medidas e os que preferem prolongar a quarentena. E nos dois lados da barricada há representantes de peso.
Michael Gove e o ministro das Finanças, Rishi Sunak, querem levantar algumas restrições, para relançar a economia e impedir que o desemprego ultrapasse os 16% estimados, ao passo que Matt Hancock, ministro da Saúde, opta pela manutenção das mesmas, por entender que o contágio tem de ser controlado ao máximo, para não implodir de vez com o NHS – o serviço nacional de saúde britânico.
O diário económico refere ainda outro nome relevante para a causa de Hancock – que também conta com a maioria da opinião pública. Trata-se de Dominic Cummings, o controverso e radical conselheiro de Johnson, estratega da campanha eleitoral que deu ao primeiro-ministro a chave do “Brexit”.
O ministro da Saúde argumenta que um dos requisitos fundamentais para se implementar qualquer estratégia de regresso à normalidade é uma excelente capacidade de realização de testes e de rastreamento das cadeias de transmissão da doença.
Mas o Governo tem vindo a falhar as suas próprias metas nesta matéria, pelo que a garantia de capacidade para 100 mil testes diários no final deste mês, parece, por esta altura, um objectivo demasiado ambicioso, tendo em conta que a capacidade actual é de 38 mil testes por dia.
Recuo de Johnson
Boris Johnson até era um dos que estava inclinado a defender o alívio de algumas restrições, para permitir que a economia britânica recomece a funcionar aos poucos, mas o elevado número de infectados e os enormes desafios sobre o potencial de resposta médica, fizeram o primeiro-ministro recuar, por temer uma segunda, e mais impetuosa, vaga de contágio.
Segundo a BBC, foi esta a mensagem que Johnson – ainda em repouso e a recuperar da infecção – transmitiu a Raab, na sexta-feira, numa reunião por videoconferência, tendo-lhe pedido que a defendesse junto dos restantes ministros.
Na mesma linha, um porta-voz de Johnson disse esta segunda-feira aos jornalistas que “o segundo pico é a grande preocupação” do primeiro-ministro e “é, em última instância, o que causará mais danos à saúde e à economia”. “Se avançarmos demasiado rápido, o vírus poderá propagar-se novamente de forma exponencial”, atirou o porta-voz, citado pela Reuters.
Fontes do Governo disseram à BBC que, por causa destas divergências internas quanto ao caminho a seguir, o mais provável é que as medidas de contenção sejam modificadas e actualizadas, em vez de suavizadas ou levantadas.
A única certeza, porém, é que Boris Johnson terá um verdadeiro teste à sua liderança quando abandonar a casa de campo dos primeiros-ministros, em Chequers, e voltar a sentar-se à mesa do Conselho de Ministros, em Downing Street.