Covid-19: infecções não param de aumentar na Rússia, mas Putin diz que tem a situação sob controlo
Há dúvidas sobre a dimensão real da pandemia na Rússia e analistas dizem que o Presidente se está a proteger das consequências da crise.
A Rússia registou esta segunda-feira mais de quatro mil novas infecções de coronavírus, depois de no domingo ter identificado o maior número de novos casos até à data (mais de seis mil), totalizando 47.121 e 361 óbitos. O Presidente russo, Vladimir Putin, tem optado por delegar as responsabilidades nas autoridades municipais e garantiu que a “situação está completamente sob controlo”, mas analistas avisam que a pandemia pode fragilizar a sua autoridade e legitimidade aos olhos dos russos.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A Rússia registou esta segunda-feira mais de quatro mil novas infecções de coronavírus, depois de no domingo ter identificado o maior número de novos casos até à data (mais de seis mil), totalizando 47.121 e 361 óbitos. O Presidente russo, Vladimir Putin, tem optado por delegar as responsabilidades nas autoridades municipais e garantiu que a “situação está completamente sob controlo”, mas analistas avisam que a pandemia pode fragilizar a sua autoridade e legitimidade aos olhos dos russos.
A Rússia é um dos países com o maior aumento diário de casos e esta segunda-feira foram revelados mais 4268 casos, quando no domingo se registou o maior aumento diário de sempre no país (6060), totalizando, neste momento, 47.121. Pelo menos 361 pessoas já morreram.
No entanto, os números divulgados têm levantado dúvidas e especialistas de saúde avisaram que a capacidade de testes tem sido fragilizada pela pesada burocracia russa, diz o Moscow Times. Os números podem, assim, não dar a real dimensão da pandemia e o pior pode mesmo vir aí, pelo menos é a perspectiva da vice-presidente da Câmara de Moscovo, Anastasia Rakova.
“O pico da mortalidade deve chegar nas próximas duas a três semanas”, disse a vice-presidente num vídeo divulgado esta sexta-feira, avisando que a capital “vai enfrentar dificuldades”.
Foi por isso que as autoridades municipais estreitaram o controlo à população instalando um sistema digital, baseado num código de barras (QR), à semelhança da China, para saber se quem circula pela cidade está autorizado a fazê-lo, depois de terem decretado o confinamento até 1 de Maio – os 12 milhões de moscovitas apenas podem sair de casa para trabalhar, passear animais, levar o lixo para a rua ou visitar a loja de bens essenciais mais próxima.
Mas o vírus já se alastrou para lá da capital russa, o epicentro da pandemia no país. Um hospital psiquiátrico na distante região de Arkhangelsk, no Noroeste do país, já tem dezenas de infectados entre pacientes e profissionais de saúde, ficando este sábado em quarentena, e já há militares infectados.
De acordo com o Baza, um canal da aplicação de mensagens Telegram com fontes no ramo militar, há pelo menos 49 cadetes infectados que deveriam participar no adiado desfile na Praça Vermelha, em celebração pela vitória russa na II Guerra Mundial, diz o Moscow Times. O ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, admitiu na quinta-feira haver 14 cadetes e um civil diagnosticado com covid-19 numa base militar na Sibéria.
A pandemia na Rússia foi inicialmente desvalorizada pelas autoridades russas, quando já estava a ter profundas consequências em Itália e Espanha. E enviaram material médico para Itália e Estados Unidos para mostrar que assim era.
Mas, no final de Março, quando os números começaram a aumentar dramaticamente, Putin falou aos russos declarando que a Rússia não se poderia isolar da ameaça e anunciou uma semana de não-trabalho pago, entretanto prolongada até 30 de Abril, e o adiamento do referendo às reformas constitucionais. E, na quinta-feira, perante o aumento brutal de casos, o Presidente disse que o desfile na Praça Vermelha seria adiado, com a imprensa russa a relatar uma crescente preocupação do Kremlin.
“Acho que vai ficar cada vez mais claro que as autoridades russas desvalorizaram os riscos associados à covid-19. A resposta tardou e o resultado é o aumento de casos”, disse à americana CNBC Andrius Tursa, conselheiro para a Europa de Leste da Teneo Intelligence. “A actual propagação da doença por todo o país pode ser consideravelmente maior, por haver dúvidas legítimas sobre os testes e comunicação e as autoridades russas terem uma história de encobrimento de grandes incidentes”.
Num vídeo dedicado a cumprimentar os cristãos ortodoxos pela Páscoa, Putin voltou este domingo a abordar a pandemia garantindo que “a situação estava completamente sob controlo” das autoridades, contrariando o recorde registado nesse mesmo dia. “Todos os níveis de poder estão a trabalhar de forma organizada, responsável e atempada”, disse o Presidente. “A situação está completamente sob controlo. Toda a nossa sociedade está unidade contra uma ameaça comum”.
Putin protege-se da crise
Nos últimos 20 anos, Putin dedicou-se a agregar em si o poder na Rússia, mas nas últimas semanas as suas aparições públicas têm sido muito escassas, o que analistas dizem fazer parte da sua estratégia para se proteger de eventuais críticas que possam fragilizar a sua autoridade e legitimidade aos olhos dos russos. O Presidente tem delegado as decisões, como o confinamento, que terá consequências económicas no futuro, nas autoridades municipais e limita-se a anunciar medidas que não prejudiquem os rendimentos dos russos, como a da semana de não-trabalho pago, diz o The Guardian.
Há quem, no entanto, diga que a abordagem de Putin pode ter os efeitos contrários, não sendo nada mais nada menos do que um erro, fragilizando-lhe a imagem de líder forte e de garantia de estabilidade que cultiva desde que assumiu a Presidência. “Isto é um erro em termos de manutenção de imagem de líder forte aos olhos da população, se o objectivo for manter o apoio da população”, escreveu, na edição russa da revista Forbes, Alexander Kynev, especialista na política russa. “A destruição da imagem do líder forte é evidente”.
Há ainda uma outra hipótese: a de Putin não ver o combate ao vírus como uma das suas funções como chefe de Estado, relegando a responsabilidade, e de o seu perfil de liderança não se enquadrar na gestão de crises nacionais. “O Presidente espera eficácia dos seus subordinados, mas eles habituaram-se a aplicar medidas decididas por outros e esqueceram-se agora de como as tomar”, escreveu a analista russa Tatiana Stanovaia num artigo do Carnegie Endownment for International Peace.
Ou então o assumir de imediato a liderança da resposta em situações de emergência não faz parte do seu perfil de líder. “Putin raramente pareceu desejoso de participar na gestão de emergência ou em se dirigir aos factores emocionais e psicólogos após uma crise”, escreveu Anna Williams, também especialista em política russa, num artigo do Institute of Modern Russia. “A sua abordagem à pandemia não parece ser diferente”.
Williams dá como exemplos o afundar do submarino Kursk, em Agosto de 2000, em que Putin apenas foi visto cinco dias depois, preferindo permanecer de férias em Sochi. No entanto, o Presidente deu a volta por cima e fê-lo de forma a fortalecer a sua própria agenda política: com palavras duras, de quem diz a “verdade sem meias palavras”, denunciou o estado decrépito das Forças Armadas russas após o fim da Guerra Fria e defendeu o seu fortalecimento e reorganização, o que fez entretanto.
- Descarregue a app do PÚBLICO, subscreva as nossas notificações
- Subscreva a nossa newsletter