O alastramento da pandemia estreitou o mundo
A guerra de poder entre EUA e China terá vários episódios daqui em diante, pelo menos, até às presidenciais norte-americanas.
O fecho de fronteiras para suster a propagação da pandemia inspira atitudes indignas entre chefes de Estado pouco propensos à solidariedade entre países, nada preocupados com as regras básicas do funcionamento de um regime democrático, e a destruir ainda mais qualquer ordem internacional.
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O fecho de fronteiras para suster a propagação da pandemia inspira atitudes indignas entre chefes de Estado pouco propensos à solidariedade entre países, nada preocupados com as regras básicas do funcionamento de um regime democrático, e a destruir ainda mais qualquer ordem internacional.
Fronteira é mais do que uma noção territorial; é um conceito apreciado por quem gosta de erguer muros, fechar portas e impedir os outros de entrar. É um bacilo. Um mundo sem fronteiras e de livre circulação poderá manter-se para os mercados financeiros, mas corre o risco de se transformar numa recordação.
As guerras comerciais entre EUA e China transferiram-se agora para o cenário de combate a um novo coronavírus. Os EUA deixam de financiar organismos multilaterais como a Organização Mundial de Saúde com o argumento espúrio da simpatia deste organismo pela China e esta, depois do aparente controlo da pandemia, tenta as suas hipóteses de afirmação e de liderança mundial, exibindo a sua generosidade.
É como se estivéssemos perante uma inversão de papéis: um tio Sam quezilento, fechado e avaro e um império do meio que não hesita em socorrer quem precisa de máscaras, ventiladores ou de especialistas experientes em virologia.
A guerra terá vários episódios daqui em diante, pelo menos, até às presidenciais norte-americanas. Trump terá muito tempo para pôr a democracia dos EUA à prova, algo coerente com alguém que está convencido de que tem a autoridade “total” e a desfaçatez de ameaçar suspender o Senado, como se fosse um monarca do século XVIII. E terá também muito tempo para levar ao extremo a sua missão de instigar à maior desordem internacional possível.
Há óbvias diferenças entre regimes repressivos, onde o controlo social é exercido sem escrúpulos, seja na China ou na Hungria, e os regimes democráticos. Mas os exemplos dos primeiros têm todas as condições para inspirar discursos nacionalistas e proteccionistas caso as democracias não consigam ter a resposta certa e pronta aos dilemas que a pandemia suscitou.
O Presidente francês teve a lucidez, esta semana, de o dizer, responsabilizando a Alemanha e os Países Baixos por eventuais danos irreversíveis nas democracias se a falta de solidariedade entre Estados-membros se tornar uma regra. Ou a União Europeia é capaz de provar, na actual conjuntura, que existe como projecto político e não apenas como projecto económico ou então poderemos ter uma “autoridade total” em cada esquina. O alastramento da pandemia estreitou o mundo.