O despudor de querer manter aumentos para os funcionários públicos em 2021
Há partidos políticos que parecem não ter a noção da proporção e nem mesmo a do ridículo.
O momento é de crise. Os receios sobre o futuro avolumam-se no domínio da saúde pública, em que a contenção da expansão da pandemia de covid-19 não dá nenhuma garantia de que a curto ou médio prazo não possa haver uma explosão de contaminados e de mortos. É também imensa a incerteza sobre as consequências e a devastação social e económica que resultarão da pandemia. Há um clima de temor generalizado em relação ao futuro, que é assumido pelas autoridades políticas, por mais que o Presidente da República e o primeiro-ministro se empenhem em transmitir confiança.
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O momento é de crise. Os receios sobre o futuro avolumam-se no domínio da saúde pública, em que a contenção da expansão da pandemia de covid-19 não dá nenhuma garantia de que a curto ou médio prazo não possa haver uma explosão de contaminados e de mortos. É também imensa a incerteza sobre as consequências e a devastação social e económica que resultarão da pandemia. Há um clima de temor generalizado em relação ao futuro, que é assumido pelas autoridades políticas, por mais que o Presidente da República e o primeiro-ministro se empenhem em transmitir confiança.
Neste contexto, que potencia o desespero, há partidos políticos que parecem não ter a noção da proporção e nem mesmo a do ridículo. Sinal disso é a notícia do PÚBLICO de quarta-feira sobre a forma como o BE, o PCP e o PEV defendem que têm de se manter os aumentos previstos para os funcionários públicos em 2021, em reacção às declarações do primeiro-ministro de que eles poderiam não se concretizar, na entrevista que deu na terça-feira ao Observador.
É no mínimo bizarro – senão politicamente imoral – vir nesta altura defender, nos termos em que foi feito pelo PCP, o PEV e o BE, que deve continuar a vigorar tudo o que foi estabelecido no Orçamento do Estado para 2020 sobre aumentos salariais para 2021. Como se, entretanto, o país não estivesse a passar por uma crise de dimensões estratosféricas, que vai ter implicações gravíssimas sobre a sociedade, a economia e as finanças públicas.
Na entrevista, o primeiro-ministro limitou-se a dizer o que é uma evidência: “Seguramente, antes do Orçamento do Estado para 2021 teremos de discutir um orçamento suplementar para 2020 que incorpore o aumento brutal da despesa que resultou dos investimentos no SNS e nos custos de medidas sociais, como as de apoio aos rendimentos e ao emprego.”
Daí que tenha afirmado que “pode não haver condições para aumentar salários da função pública como pode ser que haja condições”. Ainda que admitindo a possibilidade de haver capacidade orçamental para aumentos aos funcionários públicos, António Costa limitou-se a enunciar os constrangimentos financeiros do Estado dos funcionários públicos em 2021.
Este tipo de discurso por parte de partidos com assento parlamentar é uma clara confusão entre direitos dos trabalhadores e deveres do Estado. Isto num momento em que a prioridade, no que se refere a garantir direitos, passa pelo direito a um Serviço Nacional de Saúde reforçado que dê resposta à pandemia, bem como por assegurar a assistência social e económica às pessoas e às empresas. As medidas de excepção têm de ser para todos. O combate à crise não pode agravar mais o fosso da desigualdade.
Na quarta-feira, o ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, afirmou que as empresas privadas que já tinham recorrido ao layoff empregam, no seu conjunto, cerca de um milhão de trabalhadores. Na quinta-feira, no PÚBLICO, Victor Ferreira confirmava a indicação do ministro com dados oficiais. Sublinhe-se: os trabalhadores abrangidos pela medida nas empresas em layoff sofrem uma redução de um terço no seu salário. Um risco que os funcionários públicos não correm, pois no Estado não há layoff.
O Fundo Monetário Internacional, no estudo divulgado na terça-feira, prevê uma duplicação do desemprego em Portugal com uma subida dos 6,5% em 2019 para 13,9% em 2020, uma situação que se abate também sobre os trabalhadores do sector privado e não do público.
O mesmo estudo do FMI previa também, para 2020, uma quebra de 8% no PIB, quando 2019 fechou com 2,2% de crescimento e a quebra máxima em termos históricos foi de 4,1%, em 2012, devido às medidas da troika, como explicou Sérgio Aníbal, no PÚBLICO.
O cenário avançado pelo FMI é idêntico ao discurso sobre as consequências da pandemia na economia e nas finanças públicas do ministro de Estado e das Finanças, Mário Centeno, em entrevista à TVI, na segunda-feira. Centeno avançou com a informação de que a quebra do PIB anual é de 6,5% por cada 30 dias úteis idênticos ao mês de estado de emergência. Ainda que tenha admitido que essa quebra do PIB em termos de todo o ano de 2020 pode “não chegar aos dois dígitos”.
Quanto ao défice, o ministro de Estado e das Finanças previu que, depois de ter havido superavit em 2019 e ter sido previsto um novo de 0,2% em 2020, as contas públicas deste ano deverão fechar com um saldo negativo maior do que 3%. Já o FMI prevê que o défice em Portugal em 2020 chegue aos 7,1%.
Com uma crise social, económica e financeira que se prevê desta dimensão, como é que alguém tem o despudor de dizer que o Governo tem de garantir aumentos salariais aos funcionários públicos em 2021? Que credibilidade e legitimidade querem o BE, o PCP e o PEV ter quando for preciso fazer reivindicações a sério?