Não há “plano específico” para alunos com necessidades especiais, mas as escolas estão a trabalhar

Plano referido por António Costa não é conhecido por professores e pais. Mãe de dois filhos com autismo propõe que se escolham escolas para acolher alunos com dificuldades mais severas sob pena destes e de as duas famílias soçobrarem a tanto desassossego.

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Mais de 80 mil alunos estão identificados como tendo necessidades especiais PAULO PIMENTA

Nesta quarta-feira, Sara Domingues recebeu em casa o relatório da avaliação feita ao seu filho mais novo, pouco antes de as escolas encerrarem devido à actual pandemia. Francisco, com cinco anos, tem perturbações do espectro do autismo, associadas a outras patologias. Da escola onde frequentava o pré-escolar, onde a avaliação foi realizada, informavam que irá precisar do apoio de um professor da educação especial a partir de Setembro próximo.

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Nesta quarta-feira, Sara Domingues recebeu em casa o relatório da avaliação feita ao seu filho mais novo, pouco antes de as escolas encerrarem devido à actual pandemia. Francisco, com cinco anos, tem perturbações do espectro do autismo, associadas a outras patologias. Da escola onde frequentava o pré-escolar, onde a avaliação foi realizada, informavam que irá precisar do apoio de um professor da educação especial a partir de Setembro próximo.

Francisco e o irmão Santiago, de oito anos e também com perturbações do espectro do autismo, estavam integrados em turmas regulares. Agora estão fechados em casa desde 16 de Março e, como todos os seus colegas, não deverão voltar à escola neste ano lectivo.

Sara conta que tanto a educadora de infância do Francisco, como a professora do 2.º ano de Santiago, têm mantido contacto regular com eles enviando trabalhos e actividades, mas por agora não houve qualquer oferta de um apoio mais direccionado às dificuldades de ambos. E no que lhe diz respeito não tem conhecimento de um “plano específico” para alunos com necessidades especiais, referenciado pelo primeiro-ministro António Costa quando, na quinta-feira, dia 12, anunciou as medidas para o 3.º período, que continuará a ser feito à distância para a maioria dos estudantes.

Segundo os último dados publicados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, em 2017/2018 estavam identificados 88.203 alunos com necessidades especiais no ensino básico e secundário. Destes pelo menos 21% tinham dificuldades severas de aprendizagem.

“Até ao momento o que conhecemos são as orientações do Ministério da Educação [ME] para o trabalho das equipas multidisciplinares de apoio à educação inclusiva na modalidade de ensino à distância”, refere Helena Sabino, uma das responsáveis da Associação Pais em Rede, que reúne famílias de pessoas com deficiência. “Sabemos, no entanto, pelos vários relatos que as famílias nos fazem chegar que tem sido uma tarefa hercúlea manter os filhos em casa, sem as rotinas e terapias a que estavam habituados. Os pais estão a ficar exaustos, com crises de ansiedade e com dificuldades em controlar ‘as crises’ dos filhos”, informa ainda.

Também dois professores da educação especial dão conta ao PÚBLICO de que “não existe qualquer plano específico para o apoio aos alunos com necessidades especiais”. “O único documento emanado pela tutela é o que diz respeito às Orientações para o trabalho das Equipas Multidisciplinares de Apoio à Educação Inclusiva na modalidade E@D [ensino à distância]”, especifica João Adelino dos Santos. “Que na verdade não traz nada de novo em relação ao que já estava a ser operacionalizado antes da suspensão das aulas presenciais”, adianta Cristina Domingues.

Quando questionado sobre as medidas que constam do “plano específico” referenciado por António Costa, também o ME aponta para as mesmas orientações. Trata-se de um documento de quatro páginas dirigido, como o nome indica, às chamadas equipas multidisciplinares, que são constituídas essencialmente por professores e psicólogos escolares.

Nas orientações que lhes foram transmitidas refere-se, entre outras medidas, que devem “prestar aconselhamento aos docentes dos alunos com medidas selectivas e adicionais [os que têm maiores dificuldades], sobre estratégias e materiais passíveis de utilização na modalidade E@D”; “acautelar formas de acessibilidade à informação a alunos que não o podem fazer a partir de fontes orais ou visuais”; ou “elaborar um plano de acompanhamento próximo e sistemático para os alunos que, por razões várias, enfrentam maiores fragilidades na aprendizagem”.

Abrir escolas para alunos especiais

Já Sara Domingues tem a propor ao Governo algo de muito mais concreto e que poderia fazer toda a “diferença” para estes alunos e as suas famílias. À semelhança do que tem sido feito para os filhos dos profissionais considerados essenciais (saúde, forças de segurança, etc.), porque não escolher também escolas que pudessem acolher, neste período, alunos com dificuldades e patologias mais severas?

“Podia ser só uma manhã ou uma tarde por dia, mas isso ajudava-os a libertar energias, a manter rotinas de socialização que são muito importantes para eles, e dava um espaço aos pais, que bem estão a precisar”, justifica.

Apesar de estar em casa porque a creche onde trabalha também fechou portas, Sara desabafa: “Não paro de trabalhar um minuto.” Todo o trabalho que chega da escola para os filhos “recai por inteiro” sobre ela, que tem de os apoiar a realizar as actividades propostas, para além de tentar acalmar as várias “crises” provocadas pela alteração abrupta de rotinas, que são “fundamentais” para crianças e jovens com autismo.

João Adelino dos Santos, que é também autor do blogue Incluso, frisa que pelo facto de não existir um “plano específico” do ME, tal não quer dizer que as escolas não estejam a desenvolver e a aplicar estratégias de apoio aos alunos com mais necessidades. Por exemplo, tentando “assegurar a intervenção que era efectuada, ao nível da reeducação pedagógica” para os alunos com dislexia, o que passa por “interagir com eles em sessões síncronas”.

E depois existem os alunos que têm “limitações acentuadas, com pouca ou nenhuma autonomia pessoal, com dificuldades de interacção e que requerem um apoio sistemático por parte de um adulto”, aponta este docente. Para estes, “a intervenção pedagógica requer um forte envolvimento dos docentes com os pais e ou encarregados de educação”. Mais concretamente, os professores “interagem com os familiares adultos, facultando tarefas a realizar dentro do contexto familiar e com os recursos disponíveis, estabelecendo rotinas para os alunos, dando indicações de como organizar os espaços e os tempos de acção”.

Também Cristina Domingues dá conta do trabalho que está a ser desenvolvido pelo seu agrupamento: “Foram marcadas reuniões semanais de articulação entre os professores responsáveis da turma e as equipas de técnicos ou docentes da educação especial” e está a ser promovida a “mobilização de parceiros (juntas freguesia, instituições) para articular a chegada e recolha de materiais e contactos a alunos sem equipamentos informáticos”, entre várias outras medidas.

“No fundo, cada escola procura assegurar o acompanhamento dos alunos, tendo em consideração as condições existentes no agregado familiar e a vinculação das famílias no concretização dos planos pedagógicos”, corrobora João Adelino dos Santos, alertando no entanto para o seguinte: “O contexto actual de confinamento veio comprometer, de algum modo, o processo educativo dos alunos com necessidades especiais, agravando as vulnerabilidades que a escola procura atenuar e ultrapassar.”