Sem solidariedade agora, as democracias vão perder depois da pandemia, avisa Macron
Presidente francês diz que a globalização e o capitalismo chegaram ao fim de um ciclo, e que as populações podem ficar mais exigentes com os seus governos. Mas também há o risco de se renderem a propostas totalitárias.
Longe dos tempos em que transpirava confiança e fazia ouvir as suas fortes convicções sobre o destino da União Europeia perante as cautelas de outros líderes europeus, o Presidente francês, Emmanuel Macron, escolhe agora palavras como “humildade” para reflectir sobre o mundo que vai sobrar depois da pandemia. Numa entrevista ao jornal britânico Financial Times, esta sexta-feira, Macron avisa os países mais ricos da Europa, como a Alemanha e os Países Baixos, que a falta de solidariedade com os países do Sul pode ser fatal para as democracias ocidentais.
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Longe dos tempos em que transpirava confiança e fazia ouvir as suas fortes convicções sobre o destino da União Europeia perante as cautelas de outros líderes europeus, o Presidente francês, Emmanuel Macron, escolhe agora palavras como “humildade” para reflectir sobre o mundo que vai sobrar depois da pandemia. Numa entrevista ao jornal britânico Financial Times, esta sexta-feira, Macron avisa os países mais ricos da Europa, como a Alemanha e os Países Baixos, que a falta de solidariedade com os países do Sul pode ser fatal para as democracias ocidentais.
“Acho que é um profundo choque antropológico”, disse o Presidente francês sobre a pandemia do novo coronavírus. “Parámos metade do planeta para salvar vidas, não há precedentes na nossa história.”
Essa decisão, defende Macron, “vai mudar a natureza da globalização”.
“Ficámos com a impressão de que já não havia fronteiras. Tudo girava à volta de uma circulação e acumulação cada vez mais rápidas”, disse o Presidente francês, salientando os pontos positivos e negativos dessa era para a Europa.
“Vimo-nos livres dos totalitários, o Muro de Berlim caiu há 30 anos e, com altos e baixos, tirámos centenas de milhões de pessoas da pobreza. Mas, principalmente nos tempos mais recentes, as desigualdades cresceram nos países desenvolvidos. E já era evidente que este tipo de globalização estava a chegar ao fim do seu ciclo e estava a minar a democracia.”
Neste aspecto, Emmanuel Macron criticou a resposta de alguns países europeus – numa referência indirecta à Hungria de Viktor Orbán – e os elogios à forma como a China tem lidado com a pandemia.
“Alguns países estão a fazer essa escolha na Europa”, disse o Presidente francês sobre a retirada de liberdades às populações como justificação para o combate à pandemia. Na Hungria, Orbán começou a governar por decreto, sem passar pelo Parlamento nem pelos tribunais.
“Não podemos aceitar isso. Não podemos abandonar o nosso ADN fundamental sob o pretexto de estarmos perante uma crise de saúde”, afirmou Macron.
Quanto à China, que tem sido elogiada pelas medidas repressivas no combate ao novo coronavírus, e acusada de ter escondido a verdadeira dimensão da crise no seu início, o Presidente francês diz que “não há comparação” entre um regime autoritário e as democracias europeias.
“Perante essas diferenças, e perante as escolhas que foram feitas e o que a China representa hoje, que eu respeito, não sejamos tão ingénuos ao ponto de dizermos que lidaram melhor com a situação”, disse Macron. “Não sabemos. Há coisas que aconteceram e que nós não soubemos.”
Depois do combate à pandemia, o Presidente francês vê dois futuros possíveis, um muito diferente do outro.
Se, por um lado, acredita que as populações vão exigir aos seus governos que se empenhem tanto no combate às alterações climáticas como se empenharam na resposta ao novo coronavírus, Macron vê também um futuro para o reforço do discurso populista e nacionalista.
E isso, diz o Presidente francês, depende também da resposta que países como a Alemanha e os Países Baixos estiverem dispostos a aceitar para ajudar os mais afectados, como Itália e Espanha, a superarem a crise.
Se isso não acontecer, o Presidente francês diz que a falta de solidariedade vai ajudar à eleição de propostas populistas em Itália, em Espanha, em França “e mais além”. As eleições presidenciais francesas estão marcadas para Abril de 2022, numa espécie de segunda volta entre Macron e Marine Le Pen, a líder da União Nacional, da extrema-direita.
“Isto é evidente, porque as pessoas vão dizer que a União Europeia não as protege numa crise e que as deixam a lidar sozinhas com as consequências, mas quer ajudar os imigrantes”, disse Macron.
“Estamos num momento da verdade, que consiste em decidir se a União Europeia é um projecto político, ou apenas um projecto de mercado económico. Eu acho que é um projecto político. Precisamos de transferências financeiras e de solidariedade, se quisermos que a Europa sobreviva”, disse o Presidente francês, numa referência às divisões no continente entre os países que reclamam uma mutualização da dívida pública, como Portugal, Espanha e Itália, e os que se opõem a essa repartição, em particular a Alemanha e os Países Baixos.