Jovens são os mais ameaçados pelo desemprego e a pobreza

Mudanças laborais em curso agravam desigualdades entre géneros e entre trabalhadores. Teletrabalho sem filhos até é produtivo, se cortar reuniões e notificações.

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Paulo Pimenta/Arquivo

Portugal já era um país em que o teletrabalho tinha uma expressão muito reduzida face à realidade laboral noutros países europeus, e o Grande Confinamento que está em curso vem acentuar ainda mais as diferenças e as desigualdades entre aqueles que podem e aqueles que não podem adoptar esse regime.

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Portugal já era um país em que o teletrabalho tinha uma expressão muito reduzida face à realidade laboral noutros países europeus, e o Grande Confinamento que está em curso vem acentuar ainda mais as diferenças e as desigualdades entre aqueles que podem e aqueles que não podem adoptar esse regime.

Mas o que é particularmente notório é que as camadas mais jovens da população activa estão neste momento em maior risco de pobreza, porque são aquelas que enfrentam o possível desemprego. E, nos últimos anos, foi entre os desempregados que a pobreza mais cresceu em Portugal.

Estas são outras conclusões do estudo Trabalho e Desigualdades no Grande Confinamento – perda de rendimento e transição para o teletrabalho, que partiu de uma amostra de 11.500 pessoas para tentar fazer uma primeira análise aos impactos imediatos e esperados do recurso ao layoff e da transição para o teletrabalho.

Para os mais velhos, pais dessa fatia de trabalhadores mais novos, o futuro inspira preocupação. Como disse um dos inquiridos, nem emigrar é alternativa: “Os meus filhos e a geração que começou recentemente a trabalhar e a tornar-se financeiramente independente vê o espectro de desemprego e de grandes dificuldades de vida, sem hipóteses sequer de emigrarem, pois o problema vai ser generalizado a todo o mundo.”

Embora a amostra não seja representativa, ela é das maiores usadas em estudos do género em Portugal e mesmo assim é “muito robusta na forma como permite relacionar os atributos dos inquiridos com opiniões e comportamentos”, salienta um dos autores, Pedro Adão e Silva, em declarações ao PÚBLICO.

Não se podendo inferir conclusões para a população residente, ainda assim regista-se que 40% dos inquiridos declararam que já sofreram ou esperam vir a sofrer perdas de rendimento desde que a economia entrou em paragem abrupta.

A estatística diz que as perdas de rendimento são mais acentuadas entre os trabalhadores dos 18 aos 44 anos, com o ensino básico ou secundário, e em agregados familiares com mais filhos.

O que se verifica, e é relevante para aferir o risco de pobreza no futuro próximo, é que são os mais jovens que estão a ser mais atingidos na perda de rendimento, mas também no risco de desemprego, porque são eles que entraram ou permanecem no mercado de trabalho à custa de contratos a prazo ou como trabalhadores independentes, anota Pedro Adão e Silva.

Isto é particularmente preocupante porque o padrão da pobreza se alterou nos últimos anos. “A pobreza que atingia mais os mais velhos com pensões baixas deu lugar a outra realidade. Hoje em dia, o grupo mais exposto são os desempregados. Mesmo quando a pobreza está a baixar no total da população, ela continua a subir entre os desempregados”, acrescenta. Ou seja, se o desemprego atingir os precários, a incidência da pobreza crescerá nas camadas mais jovens.

A recolha de respostas decorreu no fim de Março, no fim do primeiro período do estado de emergência decretado pelas autoridades portuguesas. O trabalho foi levado a cabo pelo Colabor – Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Protecção Social, que vai realizar uma segunda vaga agora em Abril.

Os dados permitem estabelecer uma relação entre teletrabalho e “as desigualdades face ao emprego e de rendimento já patentes, que tenderão a avolumar-se no curto e médio prazo”.

Isto porque quem pode recorrer ao teletrabalho tendem a ser os que estão em melhor situação financeira. Porém, mesmo dentro desse grupo, o teletrabalho acaba por acentuar certas desigualdades, como a divisão do trabalho doméstico e familiar entre géneros.

Diz uma mãe, de 36 anos, com formação superior: “Na verdade, sentimos que falhamos como profissionais, e como mães. Não trabalho todo o tempo que quero ou preciso, e acabo por negligenciar a minha filha em tudo o que não sejam os aspectos físicos básicos (higiene, alimentação)”.

Mesmo que haja quem destaque pelo lado positivo que está “a aprender a usar plataformas e aplicações digitais” que nunca tinha usado, dois dos inquiridos salientam pelo lado negativo o “aumento do número de reuniões para fazer o ponto de situação” e o “fortíssimo aumento do número de notificações via WhatsApp, Slack, Skype, Hangouts”. “Tive de tomar medidas e durante certos períodos não ligo para poder avançar com o trabalho sem interrupções”, afirmou um homem, de 53, com formação superior.

Há ainda quem reportasse uma “produtividade maior” em teletrabalho, mas Pedro Adão e Silva sublinha que “este não é um teletrabalho normal, porque toda a família está em confinamento”. “É diferente trabalhar sozinho em casa ou estar com dois filhos em idade escolar.”