Dia 22: As crianças em perigo, correm agora maior perigo

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, separadas pela quarentena, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Mãe,

A verdade faz-nos mais fortes

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Mãe,

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Fiquei com o coração apertado. Li uma reportagem do PÚBLICO sobre como há milhares de crianças em vigilância por risco de maus-tratos que deixaram de receber visitas presenciais dos técnicos por causa da pandemia. Sei que já devia ter pensado nisto, é mesmo a prova de como andamos demasiado centrados no nosso próprio umbigo, ou vá lá, nas pessoas à nossa volta.

Não consigo imaginar o que se pode passar atrás de portas fechadas com pais, já pouco equilibrados, agora em situação de desemprego, presos em casas pequenas com crianças agitadas, a ansiedade (e a violência) ao rubro. Sei que brincamos muito, no Birras de Mãe inclusive, sobre a chatice que é engomar ou varrer a sala três vezes, mas podemos dar-nos ao luxo de o fazer porque, na verdade, estamos tão bem e tão seguros.

Não quero julgar ninguém, nem as famílias, nem os profissionais, até porque não sei o suficiente sobre o assunto, mas a mãe que se debruça sobre estes temas há tantos anos, o que pressente? Ficam mesmo sem acompanhamento? Mesmo crianças com fortes suspeitas de abuso? E há alguma medida de acompanhamento psicológico para estas famílias? Ou, só vamos pensar nisto no final, quando chegarem as estatísticas de violência doméstica e se perceber que explodiram?

Ajude-me a perceber isto, enquanto vou adormecer os meus filhos, agradecida pela sorte que temos.

Beijinhos!


Querida Filha,

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Também li a reportagem, corajosa e bem-feita, e fiquei mesmo preocupada. A lei do Estado de Emergência é clara quando diz que o acompanhamento e o cuidado com os mais vulneráveis, incluindo as crianças é absolutamente prioritário. Os profissionais desta área podem e devem continuar o seu trabalho, e não têm outro limite para lá das regras do distanciamento social.

Queria muito acreditar que a maioria não deixou de velar pelas crianças e adolescentes já sinalizadas, ou à guarda do Estado, nem se esconderam por detrás de um teletrabalho que não chega de forma nenhuma para proteger os menores — como chamava a atenção a psicóloga na reportagem, de que serve uma videochamada com o pai agressor atrás da criança a quem o técnico pergunta se está tudo bem? Mas, depois deste abrir de olhos, já não sei.

Tenho a maior admiração pelos profissionais de saúde que estão nos hospitais e acho perfeito batermos-lhes palmas publicamente, mas receio que muitas pessoas que também devem estar na linha da frente da saúde mental e da protecção dos mais frágeis, se escudem do contacto directo — obviamente protegido — com aqueles que mais precisam delas. Na certeza de que, no meio de tudo isto, haverá muitos heróis.

Por tudo isto, Ana, não te posso sossegar: as crianças que já corriam perigo, correm agora maior perigo. Infelizmente, tenho mesmo de agravar as tuas insónias, lembrando que haverá muitas outras que viviam em famílias que se aguentavam no fio da navalha, mas que esta pandemia desorganizou. Neste momento, sem aulas presenciais, sem professores e (preciosas) auxiliares para darem pelos sinais de maus-tratos ou ouvirem as confidências destes meninos, muitas crianças não serão sequer sinalizadas.

Mas não podemos cruzar os braços e comodamente dizer que isto é assunto para o Estado, esquecidos de que o Estado somos todos nós. O que nos é pedido é que estejamos mais atentos ao que se passa na nossa rua, no nosso prédio, e não hesitemos em reportar o caso às comissões, que continuam em funcionamento, ou directamente às autoridades.

O comunicado da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), dizia mesmo que mais valia pecar por excesso, depois se não for nada tanto melhor. Ainda reagimos mal à ideia de nos metermos na vida dos outros, e até certo ponto ainda bem, mas os maus-tratos infantis e a violência doméstica são crimes públicos, dizem-nos respeito a todos.


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram