Coronavírus, Medicina Tradicional Chinesa e a Organização Mundial da Saúde
Se o leitor quer evitar uma pandemia semelhante no futuro e contribuir para a conservação de espécies, domésticas e selvagens, comece por ajudar a banir a medicina tradicional chinesa em todas as suas formas.
Enquanto a história desta pandemia continua a ser escrita, alguns factos já substanciados merecem reflexão. É sabido que a pandemia de SARS-CoV-2 teve origem na China, muito possivelmente em Novembro de 2019, no mercado de Wuhan. Os mercados húmidos (wet markets) como o mercado de Wuhan são mercados semelhantes a outros locais do mundo, onde se comercializam vários tipos de produtos frescos. No entanto, muitos destes mercados servem também como wildlife markets, onde são comercializados todo o tipo de animais, vivos e mortos, em particular espécies selvagens. Apesar da origem do surto não ser ainda clara, a hipótese mais provável (1,2) é que o vírus terá tido origem em morcegos dos quais passou por outros animais como os pangolins antes de conseguir atingir a transmissão humano-humano.
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Enquanto a história desta pandemia continua a ser escrita, alguns factos já substanciados merecem reflexão. É sabido que a pandemia de SARS-CoV-2 teve origem na China, muito possivelmente em Novembro de 2019, no mercado de Wuhan. Os mercados húmidos (wet markets) como o mercado de Wuhan são mercados semelhantes a outros locais do mundo, onde se comercializam vários tipos de produtos frescos. No entanto, muitos destes mercados servem também como wildlife markets, onde são comercializados todo o tipo de animais, vivos e mortos, em particular espécies selvagens. Apesar da origem do surto não ser ainda clara, a hipótese mais provável (1,2) é que o vírus terá tido origem em morcegos dos quais passou por outros animais como os pangolins antes de conseguir atingir a transmissão humano-humano.
O mesmo já tinha acontecido em 2002 com as civetas na epidemia de SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave). Pode ficar-se com a impressão no Ocidente de que os chineses são ávidos comedores de animais selvagens. Não será o caso. A esmagadora maioria dos chineses consome carne como a nossa, em particular de porco e aves, algo que cada um de nós pode apreciar num qualquer restaurante chinês. Embora o consumo de espécies selvagens exista, é considerado uma delicatessen reservado a uma elite ou porventura para ocasiões especiais. O grosso dos animais selvagens que são vendidos nos mercados húmidos são-no para alimentar uma indústria muito diferente: a da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) (1, 2, 3, 4). Civetas, pangolins, morcegos são caçados nos seus países de origem e traficados para a China ou então são criados em cativeiro mercê das permissivas leis chinesas que violam tratados internacionais sobre espécies selvagens.
Mas não só de pangolins, civetas e morcegos vive a MTC. É sobejamente conhecido o tráfico de corno de rinoceronte e de barbatana de tubarão, usados para ‘tratar’ o cancro ou a disfunção sexual. Um dos animais mais procurados atualmente é o burro. O burro é o animal de trabalho mais importante para comunidade pobres de países em desenvolvimento, nomeadamente em África e América Latina, cujas populações estão a ser dizimadas para abastecer os mercados chineses de pele de burro, supostamente porque tem a propriedade de atrasar o envelhecimento, aumentar o desejo sexual, curar a anemia e atenuar os efeitos da quimioterapia. Nenhum destes efeitos foi alguma vez comprovado.
As notícias de que a China se prepara para banir os wildlife markets não nos deve sossegar. A propaganda chinesa já revelou demasiadas vezes ser avessa à verdade e à medida que a pandemia avança no resto do mundo, somos confrontados com a falta de transparência do governo chinês que terá ocultado a verdadeira dimensão e severidade do surto de Wuhan e, dessa forma, prejudicado os esforços internacionais para o combater.
Da mesma forma que após a epidemia de SARS a proibição de comércio de espécies selvagens foi levantada e os wildlife markets regressaram, não será agora, quando tudo indica que o poder económico e político da China sairá reforçado desta pandemia, que as coisas serão diferentes. É preciso, por isso, forçar o fim do tráfico de espécies selvagens de outra forma. A MTC é um negócio de milhares de milhões, suportado essencialmente pelas exportações para mercados ocidentais. A decisão das companhias de seguros estatais chinesas de não financiarem medicamentos tradicionais feitos de escamas de pangolim de pouco serve se a comunidade internacional não banir o consumo destes produtos.
Não bastava isso, como o governo chinês continua ativamente a promover a MTC como “solução” para combater o novo coronavírus tendo aconselhado ainda recentemente a bílis de urso para o seu tratamento. E os seus praticantes continuam a aceder à propaganda chinesa, insistindo em procurar demonstrar a utilidade destas artes obscurantistas. Um artigo publicado na revista científica Pharmacological Research demonstra a tentativa permanente de tentar vender estes tratamentos inúteis. Um artigo fraudulento, prontamente desmascarado por cientistas ocidentais e que se espera venha a seja retirado.
Outros pseudoestudos certamente se seguirão. Combater a fraude da Medicina Tradicional Chinesa não é fácil e tem os seus custos. Ambos os autores deste artigo estão acusados de crimes de injúrias e difamação por terapeutas alternativos por exprimirem publicamente as falácias da MTC, em humanos e em animais.
No meio deste imbróglio encontramos a Organização Mundial da Saúde (OMS), tendo o Japão sugerido a mudança do nome para Organização Chinesa de Saúde, dada a vassalagem permanente à China e à cumplicidade no encobrimento da gravidade desta pandemia. Não há nada mais claro relativamente à vassalagem desta organização para com o governo chinês como observar o seu comportamento relativamente a Taiwan, país exemplar no controlo da pandemia e que tem sido impedido de participar na OMS para não lesar as relações com a China. Mas os problemas vêm de trás, com a contínua cumplicidade desta organização com as práticas obscurantistas promovidas pelo governo chinês, tendo mesmo apoiado estas terapias primitivas contra tudo o que é racional e contra todas as evidências científicas existentes (1, 2, 3).
Mas os factos não mudam, por muita propaganda chinesa que circule. A MTC é historicamente falaciosa, cientificamente ineficaz, clinicamente perigosa e ambientalmente insustentável. Esta epidemia não resulta de uma fatalidade do destino ou fúria da natureza, mas antes da atitude das autoridades chinesas que, dando cobertura aos mercados húmidos, ao tráfego de espécies selvagens e à sua criação em cativeiro, cometeu crimes contra a humanidade e contra o meio ambiente.
No final desta pandemia, seremos confrontados com mudanças em muitos dos nossos hábitos e comportamentos. Se o leitor quer evitar uma pandemia semelhante no futuro e contribuir para a conservação de espécies, domésticas e selvagens, comece por ajudar banir a medicina tradicional chinesa em todas as suas formas, para si ou para o seu animal de estimação.