Crianças em isolamento: como combater o medo e a ansiedade?

É preciso “estar atento aos sinais” e manter “a comunicação acerca do que sentimos no seio das famílias” perante a “elevada exigência” com que pais e filhos estão confrontados durante este período. A mensagem é da psicóloga e docente da Universidade do Porto Diana Alves, que esta terça-feira respondeu a perguntas de encarregados de educação no Fórum Público.

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LUSA/MICHAEL DODGE

Como lidar com o medo das crianças face à pandemia? Como gerir a distância forçada em relação a familiares ausentes, como os avós? Devem os pais continuar a limitar o tempo de ecrã dos filhos nesta fase em que estão retidos em casa? Estas foram algumas das questões que a psicóloga Diana Alves, docente da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e especialista em crianças e adolescentes, respondeu na terça-feira no Fórum Público

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Como lidar com o medo das crianças face à pandemia? Como gerir a distância forçada em relação a familiares ausentes, como os avós? Devem os pais continuar a limitar o tempo de ecrã dos filhos nesta fase em que estão retidos em casa? Estas foram algumas das questões que a psicóloga Diana Alves, docente da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e especialista em crianças e adolescentes, respondeu na terça-feira no Fórum Público

“A comunicação acerca do que sentimos no seio das famílias ganhou primordial importância”, sublinha, e é necessário “estar atento aos sinais dos diferentes elementos da família e solicitar ajuda sempre que estes suscitem dúvidas ou preocupações”.

“Embora seja importante reforçar a confiança na capacidade de resiliência dos pais, dos filhos, das famílias, é importante realçar a elevada exigência que o cenário actual nos coloca, e não confundir resiliência com indiferença (“eu sou forte, isto não me afecta!”) ou super resistência (“eu sou forte, eu aguento!”)”, afirma.

Abaixo, transcrevemos questões respondidas no Fórum Público:

Criança de dois anos e meio, em casa sozinha com mãe em teletrabalho. Não pede para ir à rua, mas integra as idas ao parque e à praia em todas as brincadeiras de faz-de-conta e recentemente começou a referir-se à avó como tendo “ido embora”. Passa algumas horas por dia (duas, mais ou menos) no mesmo espaço que eu, mas sozinha e entregue às suas brincadeiras ou a ver televisão. Como garantir que não há um sentimento de “abandono” que a vá marcar?
O faz-de-conta é uma das vivências mais intensas e enriquecedoras desta faixa etária, permite à criança situar-se em cenários muito distintos, explorar nova informação e experienciar muitas emoções. No decorrer desse jogo do faz-de-conta, se for possível, poderá tentar interagir com a criança e relembrar locais e pessoas que não tem sido possível contactar e, no decorrer da história, explicar de forma simples algumas razões deste distanciamento físico. 

Sempre que os restantes compromissos o permitirem, tente dedicar um tempo só para o seu filho, a brincar, a jogar, a explorar um livro. Existem alguns livros disponíveis online sobre esta temática nos quais, entre outra informação, é explicado às crianças que este distanciamento físico visa a protecção do nosso bem-estar.

Sempre que possível, estabelecer contacto (por videochamada ou outros meios) com as pessoas significativas (por exemplo, a avó) cujo contacto físico agora não é possível. Sugerir à criança que possa fazer um desenho ou outra oferenda para essas mesmas pessoas, partilhá-los com os destinatários e solicitar que estes partilhem um feedback acerca das oferendas da criança. Nos contactos estabelecidos, se possível, partilharem rituais familiares (e.g. uma música, uma lengalenga).

O meu filho mais novo, de 9 anos, está empenhado em cumprir a quarentena, de tal forma que, das únicas duas vezes que saímos à rua neste mês de recolhimento, foi muito contrariado. Na última, inclusive, chorou. Tem medo. Sente falta da escola, embora esteja a adaptar-se muito bem à nova rotina em casa. Como combater este medo que tem? O regresso não será “normal”, acredito que com muitos constrangimentos. Mas temo que se recuse a sair.
O medo é um dos sentimentos frequentemente activado em cenário desafiadores e imprevisíveis como este que todos vivemos. O importante é dar oportunidade ao seu filho mais novo para falar do que sente, ouvi-lo com calma, ajudá-lo a explorar as razões que estão por detrás deste medo, aceitá-lo e expressá-lo sempre que necessitar. Explicar-lhe que “ter medo”, nos tempos que correm, não é sinal de fraqueza, mas é a nossa força – a nossa maior força. 

Temos que ter medo do contágio para nos protegermos da melhor forma. Não o podemos é deixar crescer excessivamente. Por isso, teremos que transformar este “ter medo” em comportamentos que nos protejam. Ajudá-lo a identificar os comportamentos que a vossa família e toda a comunidade civil e cientifica estão a activar para nos protegermos. 

Existem vários livros que podem apoiar esta construção, como O Meu Herói És Tu, e no site da DGS há um espaço dedicado às crianças. 

Será importante manterem uma rotina, em nada semelhante à vossa rotina, mas ajustada ao novo contexto, integrando de forma regular e equilibrada tempos de trabalho, de descanso, de jogo e de interacção social (presencial com quem coabita e online/videochamada com as pessoas fisicamente distantes, como amigos e familiares). Os contactos à distância, sobretudo com os amigos e colegas, podem ser momentos para partilhar o dia-a-dia e combinar actividades que possam desenvolver em suas casas, em que os produtos possam ser partilhados online (um puzzle, um jogo na consola, etc.). 

O regresso, como todas as transições, será um tempo de desafio, mas creio que ele acontecerá de forma gradual, o que facilitará a adaptação. E teremos que confiar na capacidade imensa que temos de nos adaptar a novos cenários. Nenhum de nós se imaginava a participar num fórum sobre esta temática e cá estamos, à procura das melhores soluções!

Como é que se gere o distanciamento numa altura em que as crianças começam a fazer os primeiros amigos e acontece este quase retrocesso no seu processo de socialização?
O impacto de cada experiência depende, entre outras coisas, da tarefa desenvolvimental que estamos a desenvolver. Sem dúvida que este isolamento e distanciamento físico, numa fase de estabelecimento e solidificação de amizades, é muito desafiador. Mas sabemos que o impacto de qualquer experiência depende também dos factores protectores que conseguimos activar. 

Nesta fase de distanciamento físico, podemos usufruir das tecnologias de comunicação para minimizar o seu impacto. Sabemos que as crianças interagem muito através da brincadeira e dos jogos. Não podendo agora realizá-los em conjunto, poderão partilhá-los através de uma ligação que estabelecem ao longo do dia, de um vídeo. Estes contactos poderão ser momentos para combinar uma tarefa cujo produto vão partilhar no dia seguinte. Será importante ajudar o seu filho a identificar as características que os amigos apreciam nele, as actividades que gostam de fazer com ele e antecipar cenários de futuras partilhas, as mais imediatas (por exemplo, online) e as mais distantes (presenciais). 

Sempre que possível, desenvolva actividades em família, no decorrer das quais poderá promover competências fundamentais para qualidade das relações com os seus amigos: a cooperação (quando numa jogada partilha objectivos, quando ajuda numa tarefa doméstica), o autocontrolo (quando estiver a perder no jogo e não desiste, quando ajudamos alguém que se irritou a acalmar-se) e a assertividade (quando lhe diz que gostou muito de jogar com ele, que percebe que ele queira continuar mas que agora tem que ir fazer o jantar; quando mostramos que percebemos que queira ver mais episódios, mas que tem que se ir deitar porque todos precisamos de ir descansar).

Devemos manter os limites ao tempo de ecrã que aplicávamos antes do isolamento, ou podemos relaxá-los? Devemos filtrar de alguma forma as notícias sobre a pandemia? 
Os equipamentos electrónicos ganharam uma importância redobrada nos últimos tempos! Dizíamos: “Saiam de casa, larguem os ecrãs”. Agora dizemos: “Fiquem em casa e usem os ecrãs, mas não se entreguem aos ecrãs!” 

Estas são ferramentas que nos permitem a todos estar em contacto com o exterior, no caso das crianças e jovens, para dar resposta a solicitações da escola, das actividades extracurriculares, para fazer coisas que me dão prazer e relaxam (e.g. jogos, visualizar vídeos, etc.) e contactar com amigos e familiares. E como aumentaram as tarefas cuja realização implica o uso das ferramentas, e porque se tornou a única ferramenta de comunicação com interlocutores muito importantes, o tempo poderá ter que ser mais alargado mas de igual forma regulado. 

Relativamente ao acesso à informação, devemos cuidar a quantidade de informação e a credibilidade da mesma. O acesso à informação deve ser feito na companhia de um adulto, para que este possa clarificar alguma informação, atender ao impacto que esta pode ter na criança ou adolescente. E se ficarmos com dúvidas sobre o mesmo, explorar o assunto, solicitar à criança/adolescente que nos explique o que ouviu/viu/leu, e que nos diga o que acha.