Mais de 70% dos portugueses têm medo de ir aos hospitais e centros de saúde

Por causa do Sars-Cov-2, 26% dos portugueses deixaram mesmo de recorrer os estabelecimentos de saúde. Entre os doentes crónicos, foram 32%. Explicação possível: o receio declarado por 74% de sairem de lá contaminados. Quanto à saúde mental, 35% dizem estar pior do que antes da crise sanitária.

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Com medo de serem contagiados, os utentes estão a deixar as salas de espera de hospitais e centros de saúde vazias Nelson Garrido (arquivo)

As salas de espera vazias tornaram-se um denominador comum a hospitais, centros de saúde e consultórios médicos. Por causa do coronavírus, 74% dos portugueses estão com medo de se deslocar aos serviços de saúde, segundo um inquérito do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (Cesop) da Universidade Católica. Pior do que isso, 26% dos inquiridos dizem mesmo que, por causa do novo coronavírus, deixaram de recorrer aos serviços médicos.

Esta falta de comparência tanto pode ter sido motivada pelo medo como pelo adiamento de exames, consultas ou intervenções – a terceira e última parte deste inquérito feito para o PÚBLICO e RTP e que se baseia em perguntas feitas a 1700 pessoas, numa amostra representativa da população, entre os dias 6 e 9 de Abril, não escrutina as razões. Mas permite verificar que, entre as pessoas que dizem pertencer a grupos de risco, sobem para 32% os que deixaram de recorrer ao médico.

Esta debandada ocorre na mesma altura em que 23% da população assume que o seu estado geral de saúde física está pior do que antes da crise sanitária as ter fechado em casa. E, ao contrário do que se poderia pensar, não são os mais idosos a declarar sentirem-se pior do que antes. É entre os jovens com idades entre os 18 e os 24 anos que se concentra a maior percentagem (33%) dos que acusam a deterioração do seu estado de saúde. Nos que têm 65 ou mais anos de idade, refira-se, a proporção desce para os 17%.

Saúde mental a piorar

Se o corpo e a saúde de uma percentagem significativa dos portugueses começam a acusar os efeitos da pandemia, a cabeça também parece ameaçar colapsar. Pelo menos, para os 35% que, questionados sobre o seu estado de saúde mental, dizem estar pior do que antes da crise. E, mais uma vez, não são os mais velhos a acusar os efeitos do isolamento social na sua saúde mental. Apenas 25% dizem sentir-se pior do que há um mês, quando, no intervalo dos 35 aos 44 anos de idade, a percentagem é de 49%. Um pouco mais abaixo, no grupo dos que têm entre 25 e 34 anos, são 44% os que acusam a degradação do estado de saúde mental, numa proporção que se repete no grupo etário imediatamente abaixo, entre os 18 e os 24 anos de idade.

A ansiedade e a tristeza são os estados de espírito mais referidos quando a pergunta foi :“Nas últimas semanas, por causa de toda esta situação de isolamento social, que sentimentos lhe têm surgido mais vezes?” — surgem referidos em 12% das respostas dadas. Logo a seguir, vêm a preocupação (11%), o medo e a saudade (ambos presentes em 10% das respostas). E os dados sugerem que são as mulheres, mais do que os homens, a assumirem-se afectadas por estes sentimentos. Um exemplo: entre os 12% da população que se declaram ansiosos, 17% são mulheres e apenas 7% homens. Mais uma vez os idosos parecem estar relativamente imunizados face ao medo e à ansiedade, já que é entre os 25 e os 44 anos de idade que surgem as maiores percentagens dos que se assumem mais afectados.

Há, porém, um sentimento que é mais preponderante entre os mais velhos: a saudade. E a explicação não há-de ser difícil de encontrar já que os mais idosos tendem a estar mais sozinhos em casa e com as visitas dos netos suspensas. De resto, entre os 14% de inquiridos que vivem sozinhos, 39% tem 55 ou mais anos de idade.

Relações familiares pioraram para 12% 

Depois de ter permitido perceber que, durante as duas primeiras semanas de confinamento, o ensino à distância não chegou a 45% dos alunos do ensino básico e que a perda de rendimentos decorrente da paralisação de muitas actividades já atingiu mais de um terço dos portugueses, o inquérito do Cesop permite também agora concluir que a falta de espaço dentro de casa não parece ser um problema, já que 95% dos portugueses declararam que a dimensão da casa permite que cada membro da família tenha, nem que seja por algumas horas, o seu próprio espaço para ficar sozinho. Do mesmo modo, foi muito reduzida a percentagem dos que disseram ter medo que o temperamento de alguém da família pudesse degenerar em violência: 5%. Este receio parece estar mais presente entre pessoas com filhos (6%) do que entre os que não têm filhos (4%), bem como entre os que têm rendimentos abaixo dos mil euros mensais (7%). Mas, aqui, os próprios autores do inquérito aconselham cautela com a generalização das conclusões, dada a redução da amostra para estes subgrupos.

Quanto à qualidade das relações dentro da família posta sob o mesmo tecto as 24 horas do dia, a maior parte dos que vivem acompanhados (83%) garantem estar igual. Mas os dados também indicam que no caso das pessoas que vivem com filhos a qualidade das relações poderá estar a alterar-se mais depressa: 12% dos que vivem com filhos consideram que a relação entre os membros da família piorou, enquanto, entre os que não têm filhos, foram 9% os que consideraram que a interacção familiar sofreu um declínio.

Este inquérito foi realizado pelo Cesop-Universidade Católica Portuguesa para a RTP, Público e parceiros e patrocinadores da Universidade, entre os dias 6 e 9 de Abril de 2020. O universo alvo é composto pelos indivíduos com 18 ou mais anos residentes em Portugal. Os inquiridos foram seleccionados aleatoriamente a partir duma lista de números de telemóvel e telefone fixo, também ela gerada de forma aleatória. Todas as entrevistas foram efectuadas por telefone e os inquiridos foram informados do objectivo do estudo e demonstraram vontade de participar. Foram obtidos 1700 inquéritos válidos, sendo 57% dos inquiridos mulheres, 34% da região Norte, 20% do Centro, 33% da A.M. de Lisboa, 7% do Alentejo, 3% do Algarve, 2% da Madeira e 2% dos Açores. Todos os resultados obtidos foram depois ponderados de acordo com a distribuição da população residente por sexo, escalões etários, grau de escolaridade e região com base nas estimativas do INE. A taxa de resposta foi de 49%*. A margem de erro máximo associado a uma amostra aleatória de 1700 inquiridos é de 2,4%, com um nível de confiança de 95%.