Só os testes mostram a realidade e a saída
A estratégia poderá passar por um isolamento estratificado, em que teremos uma contenção mais seletiva protegendo os grupos de maior risco. E permitindo a saída de isolamento dos grupos de menor risco para criar imunidade comunitária.
O indivíduo nasce com capacidade para se defender de algumas doenças e ao longo da vida o sistema imunológico vai-se aperfeiçoando e aprende a combater novas agressões.
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O indivíduo nasce com capacidade para se defender de algumas doenças e ao longo da vida o sistema imunológico vai-se aperfeiçoando e aprende a combater novas agressões.
A imunidade pode ser adquirida de forma natural ou artificial, isto é, na imunidade natural o organismo produz anticorpos (defesas) ao entrar em contacto com o antigénio (vírus) de forma natural, como acontece quando uma criança contrai a varicela, e na imunização artificial a produção de anticorpos pelo organismo acontece quando estimulado por vacinas que contêm o antigénio capaz de desencadear a resposta imunitária sem causar doença.
Relativamente à vacinação, esta seria a forma ideal para conter esta pandemia, mas dificilmente a teremos em tempo útil. O desenvolvimento de um novo medicamento tem que passar por várias fases para garantir a segurança e eficácia do mesmo e depois de aprovada ainda terá que ser produzida. Esta solução poderá demorar meses ou até anos. Assim, a estratégia poderá passar por irmos adquirindo imunidade natural ao longo do tempo.
A imunidade de grupo tem o seguinte princípio: quanto maior o número de pessoas imunizadas menor a transmissão da doença, pois o vírus não conseguirá replicar-se e dar origem a uma cadeia sustentada de novos doentes porque não contactará com pessoas não imunizadas.
Se protegermos todos os idosos, estamos a falar de aproximadamente 22% da população portuguesa (Pordata), e se juntarmos os doentes crónicos com duas ou mais doenças (mais frágeis) estaremos a falar de 40% da população. Assim, 60% da população fará parte do grupo de menor risco. O ideal seria se as novas cadeias de transmissão se formassem apenas entre pessoas de menor risco até atingirmos o mínimo de 60% de imunização, mantendo protegidos os idosos e doentes crónicos.
Efetivamente, a estratégia de Portugal nunca foi a de adquirir a imunidade de grupo de forma descontrolada, o que permitiu termos conseguido dar resposta a nível do sistema de saúde. Acontece que as restrições impostas impedem que seja possível adquirir essa imunidade – os números revelam que neste momento a imunidade dos portugueses ao coronavírus é de 0,8% a 1%, muito longe dos ambicionados 60%. Isto torna a população portuguesa muito mais vulnerável a uma segunda onda de contágio. Também é verdade que não podemos querer o melhor dos dois mundos, medidas de contenção e imunidade.
A estratégia de imunização só será possível quando as medidas de contenção começarem a ser levantadas e isto não pode ser feito de qualquer forma. Teremos de ter regras bem definidas para que uma possível segunda onda de contágios não leve à rutura dos serviços de saúde.
Portanto, é aqui que entra a importância de testar a população, aferir a sua imunidade e desenhar estratégias para a saída do isolamento de forma gradual e controlada. Embora alguns especialistas digam que ainda é cedo para afirmarmos que ganhamos imunidade após exposição, já existem alguns estudos que apontam para que provavelmente isso aconteça.
Na falta de estudos específicos que demonstrem a resposta imunológica do SARS-Cov-2, os cientistas têm utilizado os estudos que foram desenvolvidos ao longo dos anos relativamente ao SARS-Cov (2002), que devido às semelhanças encontradas entre os dois coronavírus, permitem prever algum comportamento, neste caso, a nível do desenvolvimento de resposta imunológica. Verificou-se que 7-10 dias após o aparecimento dos primeiros sintomas é possível detetar anticorpos. A IgM é o primeiro anticorpo a ser detetado, seguido da IgG, que aparece um pouco mais tarde (14-21 dias) e aumenta gradualmente nos pacientes recuperados, atingindo um máximo aos três meses e permanecendo inalterada durante dois anos.
Assim, partindo do princípio que é possível adquirir imunidade e que esta se mantém, no mínimo, alguns meses, poderemos usar testes serológicos para aferir a imunidade da população e a partir dos resultados definir estratégias.
Os testes serológicos são testes sanguíneos que detetam a existência de anticorpos no sangue. Neste caso pesquisam-se dois anticorpos específicos, a IgG e a IgM, que são produzidos pelo organismo para defendê-lo do antigénio (SARS-Cov-2). Estes anticorpos só se produzem caso o indivíduo tenha estado em contacto com o vírus.
A especificidade destes testes é importantíssima: quanto mais exclusivo for o antigénio SARS-Cov-2 menor a probabilidade de reação cruzada com outros coronavírus, podendo originar falsos positivos. Estão a ser desenvolvidos testes de anticorpos de grande especificidade e estabilidade para produção em massa. Por exemplo, em Portugal, a Escola de Medicina da Universidade do Minho e o INL (Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia) estão a validar testes serológicos que serão sujeitos aprovação por parte do Infarmed.
Estes testes devem ser usados com precaução, uma vez que apenas é possível detetar anticorpos no sangue após alguns dias de exposição ao vírus (oito a dez dias), podendo originar falsos negativos. Mas, tendo consciência das suas limitações, podem ser uma ferramenta importantíssima para avaliar a imunidade da comunidade. Não se sabe, ainda, se a imunização adquirida será de longa ou de curta duração e será aconselhável repetir o teste num intervalo de seis meses a um ano até à disponibilização da vacina.
Estes testes são de fácil utilização e de baixo custo, podendo ser efetuados por vários profissionais de saúde, requerem apenas uma pequena amostra de sangue e o resultado é obtido em poucos minutos. Portanto, falamos em eficácia, rapidez, facilidade, custo e importância. Do que mais precisamos para apostar nesta abordagem?
Testar os profissionais de saúde, de forma a manter o sistema de saúde operacional e estável (evitando a escassez de recursos humanos) e permitir direcionar médicos e enfermeiros que ganharam imunidade ao vírus para tarefas com maior risco de contágio; testar forças de segurança; testar imunidade em regiões de grande índice de contágio, como ensaio-piloto, para promover possível saída de isolamento de forma controlada; testar em locais de maior confinamento e risco, nomeadamente lares de idosos; testar imunidade das pessoas que contactam de perto com os grupos de risco; aferir de forma mais aproximada o número de pessoas contagiadas pelo SARS-Cov-2; permitir saber a percentagem de casos assintomáticos que ocorrem na população; manter algumas medidas já adotadas como o distanciamento social, o uso de máscaras, higienização das mãos e etiqueta respiratória; nas empresas, adotar medidas que permitam minimizar o contágio; suspensão de eventos em massa, entre outros.
A estratégia poderá passar por um isolamento estratificado, em que teremos uma contenção mais seletiva protegendo os grupos de maior risco. E permitindo a saída de isolamento dos grupos de menor risco para criar imunidade comunitária.
Não há dúvidas do desejo de todos pelo regresso à normalidade, em todas as dimensões sociais, e pelo restabelecimento das liberdades, direitos e garantias que a vida numa democracia liberal nos permite. Como referiu e bem o deputado da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, na Assembleia da República no dia 24 de março, para isso é preciso “testar, testar, testar” e não apenas “tentar, tentar, tentar”.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico