Investigadores procuram respostas para “excesso de mortalidade” em Março

No mês de Março houve mais mortes do que seria normal pelos registos de anos anterior. Só em 187 é que a causa foi atribuída à infecção pelo novo coronavírus. Está a pandemia a ter um impacto maior?

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MIGUEL A. LOPES/Lusa

As mortes em excesso que terão ocorrido em Março, em comparação com o que seria previsível acontecer neste mês, podem ser atribuídas “sem dúvida ao contexto da pandemia” em que se vive, afirma o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia. O que não quer dizer, ressalva, que todos estes óbitos tenham sido provocados directamente pela covid-19.

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As mortes em excesso que terão ocorrido em Março, em comparação com o que seria previsível acontecer neste mês, podem ser atribuídas “sem dúvida ao contexto da pandemia” em que se vive, afirma o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia. O que não quer dizer, ressalva, que todos estes óbitos tenham sido provocados directamente pela covid-19.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o número de óbitos ocorrido entre 1 e 31 de Março foi de 10.224, dos quais 187 se deveram directamente à infecção pelo novo coronavírus. Este é o balanço oficial, mas o número de óbitos provocado pela infecção poderá ser maior, já que entre as mortes registadas haverá “casos de covid-19 que não foram diagnosticados”, sublinha Ricardo Mexia.

E para lá deste impacto directo há que ter em conta outros efeitos indirectos, como por exemplo, o de poderem existir mais mortes porque “devido ao medo de contágio, as pessoas estão a adiar o recurso aos serviços de saúde e quando chegam estão já numa situação que é mais difícil de reverter”, explicita aquele clínico. “É difícil quantificar o que está a acontecer porque só quem tem acesso aos certificados de óbito poderá fazer essa análise. E espero que o façam”. No caso trata-se da Direcção-Geral da Saúde.

Sabe-se já que em Março houve menos 246 mil episódios de urgência por comparação ao registado no mesmo mês do ano passado. “Temos uma quebra colossal no número de doentes que vão à urgência e nem sabemos o que está a acontecer nas restantes linhas de actividade”, alertou o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, a propósito dos dados divulgados pelo Portal do SNS. E deixou mais este apelo: “É urgente que o Ministério da Saúde crie uma task-force, que monitorize com muita transparência e seriedade o que está a acontecer aos outros doentes e que faça contactos directos para que ninguém fique perdido”.

“Os danos que a covid-19 está a infligir na nossa sociedade já são suficientemente cruéis para podermos aceitar ainda mais danos colaterais”, frisou ainda.

Tendo em conta apenas o número de óbitos ocorrido em Março, e realçando que se trata ainda de dados preliminares, o INE dá conta que este “é, até ao momento, ligeiramente superior (+233) ao número dos registados em igual período em 2019 e inferior em 277 casos relativamente ao mesmo período de 2018”, que por agora acabou por se revelar o ano com mais mortes desde há várias décadas.

Quase mil mortes por explicar?

Mas existem outras formas de se olhar para a informação existente. Por exemplo, comparando o número de óbitos reais com o que seria expectável tendo em conta a evolução registada nos últimos anos. É por esta via que uma equipa de investigadores do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (Cintesis) tem estado a analisar os dados disponíveis e que concluiu já não existirem dúvidas de que houve “um excesso de mortalidade” em Março passado.

“Não é por o número de óbitos ser inferior ao de Março de 2018 que se pode afirmar que não houve excesso de mortalidade” no mês passado, reitera o investigador do CITESIS Jorge Félix Cardoso.

Mantendo a mortalidade média registada na primeira semana de Março, este mês deveria ter chegado ao fim com 9207 mortes adiantaram, no Diário de Notícias, numa revisão do primeiro artigo datada de 28 de Março. Mas na verdade o número total de óbitosfoi de 10.224, conforme revelou o INE no passado dia 9. Isto significa que houve mais 1017 mortes do que seria prevísivel. 

 Quando a primeira análise foi publicada, no artigo Mortalidade em tempos de covid-19: a que contamos, mas também a que não contamos, o registo do número de óbitos era de 8700, o que segundo os investigadores do Cintesis corresponderia aproximadamente a mais de 600 mortes “acima” do que era expectável, sendo que nessa altura a os óbitos atribuídos oficialmente à covid-19 eram 180. O que deixava 500 casos por explicar. Com os últimos dados existentes estarão agora nestasituação cerca de 890 casos. 

“Não sabemos neste momento a que atribuir esta mortalidade, o que só será possível apurar através dos certificados de óbitos”, refere o investigador, remetendo para os quatro hipóteses que esboçaram no artigo citado E que são os seguintes: “Óbitos por covid-19 não diagnosticados; óbitos que, tendo sido evitados em Fevereiro, vieram a verificar-se em Março [casos de pessoas frágeis que se foram acumulando]; óbitos por outras condições que, fruto da situação actual, acabam por não ser evitadas; ou simplesmente óbitos que já iriam acontecer nesta altura e que são imprevisíveis.”

O excesso de mortalidade em Portugal, bem como noutros países, é também apontado pelos professores da London Business Scholl Paolo Surico e Andrea Galeotti no artigo A rule of thumb to detect excess deaths? Lessons from Italy. Tendo em conta o período entre 16 de Março, quando se registou a primeira morte em Portugal atribuída à covid-19, e 6 de Abril, concluíram que houve 1087 mortes a mais, das quais 776 não foram atribuídas directamente ao novo coronavírus.  Os investigadores sublinham que será necessária mais informação, com dados mais consolidados, para se chegar a conclusões. E alertam mesmo para as fragilidades do modelo que usam para chegar a estes cálculos. Não deixam, contudo, de levantar a hipótese de o número oficial de mortes atribuídas directamente à covid-19 estar a ser subestimado. 

Também a revista The Economist já deixou este mesmo alerta, num artigo onde se lembra a propósito que em calamidades de grandes proporções o número real de vítimas mortais só acabaria por ser conhecido mais tarde e que foi sempre maior em relação às estatísticas iniciais.