Para que possamos ficar bem
Se em circunstâncias pré-pandemia de covid-19, as taxas de violência contra as crianças e jovens e de violência doméstica já eram das mais elevadas em Portugal, o período de crise actual dará, forçosamente, lugar à sua inflação.
Vivemos, como nunca, em estado de urgência. Sem que o pudéssemos prever, sem que nos pudéssemos preparar, o distanciamento social remeteu-nos ao recolhimento forçado, onde, ao invés da paz, experimentamos a guerra.
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Vivemos, como nunca, em estado de urgência. Sem que o pudéssemos prever, sem que nos pudéssemos preparar, o distanciamento social remeteu-nos ao recolhimento forçado, onde, ao invés da paz, experimentamos a guerra.
Num tempo que é de confinamento, e em que a casa deveria ser, de todos, o lugar mais seguro para se estar, os riscos e os perigos que aí se concentram tendem a acentuar-se. Para as crianças, jovens, mulheres, pessoas de idade avançada e outros grupos de especial vulnerabilidade (e.g., pessoas LGBTI, grupos étnicos, trabalhadoras/es do sexo, pessoas em situação de sem abrigo, pessoas com diversidade funcional) a pandemia covid-19 trouxe consigo outras pandemias associadas.
A pandemia da violência é uma de muitas. Com efeito, as evidências têm vindo a demonstrar que em períodos de crise, e especialmente de crise prolongada como aquele em vivemos hoje, os grupos mais vulneráveis são aqueles que mais negativamente são afectados. Sendo a casa palco das mais graves violações dos Direitos Humanos, os períodos de crise de quem lá está confinado/a representam momentos de clausura e não de distanciamento.
Se em circunstâncias pré-pandemia de covid-19, as taxas de violência contra as crianças e jovens e de violência doméstica já eram das mais elevadas em Portugal, o período de crise actual dará, forçosamente, lugar à sua inflação. Por outro lado, estando as vítimas, nesta fase, particularmente expostas à violência, a probabilidade de desenvolverem sintomatologia clínica, tal como quadros depressivos ou ansiógenos, aumenta exponencialmente, podendo até levar à ideação suicida. Se, adicionalmente, se considerar a resistência que as vítimas apresentam, não raras vezes, face à denúncia dos casos de violência praticados por pessoas significativas, adivinha-se uma intensificação do silêncio, já que a acessibilidade aos mecanismos de reporte destes casos está condicionada.
É, pois, imperativo que as vítimas possam ver reforçadas os meios de apoio formal e informal, desde logo os que são disponibilizados pelas entidades competentes (e.g., escolas, CPCJ’s, Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica), mas também aqueles que resultam das iniciativas da sociedade civil. A identificação e sinalização de casos de violência contra as crianças e jovens e de violência doméstica são, também, responsabilidade do e da cidadã comum, pelo que as vizinhanças, por exemplo, podem neste âmbito ter um papel providencial.
A Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género tem em funcionamento, desde 1998, o Serviço de Informação às Vítimas de Violência Doméstica. Para além de gratuito, funciona 24 horas por dia e 365 dias por ano. É possível accioná-lo através do número telefónico 800 202 148, do SMS 3060 e do email violencia.covid@cig.gov.pt. O Instituto de Apoio à Criança também disponibiliza a linha 116 111 e o número de WhatsApp 913069404 para as crianças e jovens.
Ainda que saibamos que, quando este estado de urgência terminar, nem todas as pessoas vão ficar bem, é nossa obrigação zelar para que isso aconteça. Está, pois, nas nossas mãos controlar a pandemia covid-19, mas simultaneamente a pandemia da violência.