Haverá máscara para o sofrimento mental?
Nos grupos de maior vulnerabilidade destacam-se as pessoas idosas e os profissionais de saúde, particularmente os que se encontram na linha da frente nos hospitais e nos centros de saúde. Mas novos grupos de risco poderão emergir.
A crise de saúde pública que todos vivenciamos, com as dimensões já conhecidas mas, sobretudo, pela imprevisibilidade das suas reais consequências, alerta-nos para a nossa vulnerabilidade individual e coletiva.
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A crise de saúde pública que todos vivenciamos, com as dimensões já conhecidas mas, sobretudo, pela imprevisibilidade das suas reais consequências, alerta-nos para a nossa vulnerabilidade individual e coletiva.
Esta vulnerabilidade desperta medo em todos nós. Medo esse que é normal, desde que não seja desproporcionado e, por isso, nos torne disfuncionais.
O medo de sermos infetados e de infetarmos outros, entre os quais os nossos familiares mais próximos, levou-nos a um isolamento forçado. Experimentamos hoje uma redefinição das relações no âmbito conjugal, paternal, profissional e social.
Esta nova e inédita crise impõe que a humildade científica impere, permitindo identificar mais dúvidas que certezas. Todavia, de acordo com uma revisão recentemente publicada na revista científica Lancet, em casos similares de isolamento e quarentena, as pessoas reportam mais stresse pós-traumático, confusão e raiva. Foram identificadas como fontes de stresse: quarentenas longas, medo de contrair a infeção, frustração, tédio, mantimentos escassos, informação inadequada, perdas financeiras e estigma.
Uma vez conhecidas as fontes de stresse, impõe-se a cada um de nós encontrar estratégias para lidar com elas através dos recursos pessoais ou acionando as redes de apoio existentes. Mas, particularmente nesta fase, a solidariedade e o voluntariado deverão emergir no sentido de acompanhar quem mais necessita, quer seja fruto do isolamento, quer pela suas vulnerabilidades pré-existentes, agravadas pela situação de isolamento ou pelo exercício nobre da profissão.
Nestes grupos de maior vulnerabilidade destacam-se as pessoas idosas e os profissionais de saúde, particularmente os que se encontram na linha da frente nos hospitais e nos centros de saúde.
As pessoas idosas, além de uma maior carga de doenças de vária índole, vivenciam o medo, a ansiedade, a noção de incapacidade e o afastamento da sua rede de suporte, que inclui a família mais próxima, particularmente netos e filhos. Refira-se que, pese embora haver maior probabilidade de aumento da gravidade da infeção em idades avançadas, este efeito não é determinístico, havendo inúmeros casos de recuperação de idosos com a infeção covid-19.
Os profissionais de saúde podem referir exaustão, ansiedade ao lidar com pessoas infetadas, maior irritabilidade, insónia, perda de concentração, menor capacidade de trabalho e aumento da insatisfação laboral. Podem ainda sofrer de estigma social pelo medo de trazerem a infeção. Refira-se que alguns profissionais descobrem nestes cenários melhores formas de cooperação, maior capacidade de resiliência, maior criatividade e maior proximidade relacional da equipa multidisciplinar.
Novos grupos de risco poderão emergir. As pessoas recém-desempregados e/ou as pessoas com perda de receitas, as pessoas já anteriormente diagnosticadas com sofrimento mental, ou ainda o aumento da violência doméstica.
Nos primeiros grupos, a par das questões específicas inerentes à crise de saúde pública que vivenciam, acrescem dificuldades económicas e, nalguns casos, o desmembrar de projetos profissionais que podem ser individuais, familiares ou coletivos. Refira-se que a crise socioeconómica anterior permitiu, nalgumas situações, identificar novas oportunidades e/ou redesenhar projetos.
As pessoas com experiência prévia de sofrimento mental podem sentir o isolamento da sua rede de suporte e família de forma mais aguda, se acrescentarmos o “seu” profissional de saúde. Especialista que, periodicamente, lhe permitia expressar emoções, esbater ansiedades, identificar percursos, co-construir alternativas, podendo, na sua ausência, levar ao agravamento da sintomatologia. Também estes profissionais de saúde estão a testar novas formas de contacto, por exemplo, através de plataformas digitais. Refira-se que algumas experiências prévias de e-health são muito promissoras neste campo, abrindo enormes possibilidades de relacionamento terapêutico, embora as questões culturais sejam fundamentais.
Finalmente, a máscara para a gestão do sofrimento mental poderá passar por confiar nos profissionais de saúde, nas autoridades de saúde e no Serviço Nacional de Saúde, selecionar as fontes de informação, ativar redes existentes, compartilhar aspetos positivos, usar a criatividade, demonstrar solidariedade… ser ainda um pouco mais resiliente.
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico