Rui Pinto sai da prisão após aceitar revelar passwords dos discos encriptados

Hacker estava em prisão preventiva há mais de um ano e ficará num local seguro sob a alçada da Polícia Judiciária. Nenhuma autoridade conseguiu, até esta data, ultrapassar o sistema de encriptação usado por Rui Pinto.

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Rui Pinto foi detido na Hungria em Janeiro de 2019 LUSA/RODRIGO ANTUNES

Rui Pinto, criador do Football Leaks e autor das revelações do caso Luanda Leaks, que estava em prisão preventiva desde 22 de Março de 2019, foi esta quarta-feira colocado em prisão domiciliária para colaborar com as autoridades portuguesas. Ao que o PÚBLICO apurou, uma das condições passa pela revelação das passwords dos dez discos rígidos que, devido ao sistema de encriptação avançado, nenhuma autoridade europeia conseguiu explorar. A Polícia Judiciária admitiu, no auto de análise forense que consta do processo, que era provável que estes dispositivos guardassem informações relevantes para a investigação. 

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Rui Pinto, criador do Football Leaks e autor das revelações do caso Luanda Leaks, que estava em prisão preventiva desde 22 de Março de 2019, foi esta quarta-feira colocado em prisão domiciliária para colaborar com as autoridades portuguesas. Ao que o PÚBLICO apurou, uma das condições passa pela revelação das passwords dos dez discos rígidos que, devido ao sistema de encriptação avançado, nenhuma autoridade europeia conseguiu explorar. A Polícia Judiciária admitiu, no auto de análise forense que consta do processo, que era provável que estes dispositivos guardassem informações relevantes para a investigação. 

Terá sido a defesa a pedir esta alteração da medida de coacção, a que o Ministério Público (MP) não se opôs. Rui Pinto ficará num espaço seguro, sob a alçada da PJ, não regressando para a casa onde habita a família, em Vila Nova de Gaia. 

“Na presente data, foi revogada a medida de coação de prisão preventiva aplicada a Rui Pinto, tendo o mesmo abandonado já as instalações do estabelecimento prisional anexo à PJ [Policia Judiciária]. Rui Pinto encontra-se agora sujeito à medida de obrigação de permanência na habitação, cumulada com a proibição de acesso à internet, sob responsabilidade da Polícia Judiciária”, explicam os advogados William Bourdon, Francisco Teixeira da Mota e Luísa Teixeira da Mota, em comunicado.

Esta colaboração foi uma hipótese colocada em cima da mesa pela defesa logo após a detenção do hacker. Em diversas ocasiões no último ano, os advogados salientaram a disponibilidade e vontade de Rui Pinto em ajudar as autoridades portuguesas no combate ao crime. Contudo, a Justiça apenas teria como objectivo incriminá-lo ainda mais, motivo pelo qual o denunciante terá recusado uma eventual parceria. Numa conferência de defesa do hacker em Lisboa, o advogado francês William Bourdon acusou mesmo as autoridades portuguesas de terem ignorado as denúncias anónimas feitas pelo pirata informático, ainda antes da criação do Football Leaks.

Atitude de Rui Pinto mudou, diz juíza

De acordo com o despacho de alteração da medida de coacção a que o PÚBLICO teve acesso, a juíza de instrução Cláudia Pina considerou que o perigo de fuga de Rui Pinto é suficientemente assegurado com a prisão domiciliária, chegando a invocar o controlo apertado das fronteiras no contexto do estado de emergência. Por outro lado, é mencionada na decisão uma alteração na postura de Rui Pinto que, para a juíza de instrução, apresenta agora “um sentido crítico e disponibilidade para colaborar com a Justiça”.

Quanto ao risco de continuação de actividade criminosa — invocado pelo MP no último pedido de libertação feito por Rui Pinto —, o tribunal considera que a PJ “possui os meios necessários” para garantir que não são cometidos outros delitos ou a destruição de provas. Neste novo local da responsabilidade da polícia, Rui Pinto poderá receber as visitas dos familiares mais próximos, desde que estes não possuam aparelhos electrónicos com acesso à Internet.

Antes de ser detido pela polícia húngara, Rui Pinto tinha disponibilizado informação às autoridades francesas, que o queriam colocar num programa de protecção de testemunhas. “Estava a trabalhar com as autoridades francesas, a começar uma colaboração com as autoridades suíças e iria provavelmente iniciar outra colaboração europeia, mas Portugal sabotou tudo”, afirmaria Rui Pinto num dos poucos momentos em que falou aos jornalistas.

O Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa pronunciou Rui Pinto por 90 crimes de acesso ilegítimo, acesso indevido, violação de correspondência, sabotagem informática e tentativa de extorsão. Esta sentença implicou uma redução de 57 crimes, visto que o MP tinha acusado o hacker de 147 crimesPosteriormente, o MP recorreu desta decisão, pedindo a reposição destes 57 crimes e o restabelecimento de 68 crimes de acesso ilegítimo, que foram transformados em delitos de acesso indevido, crimes com uma moldura penal mais reduzida.

Manteve-se a indiciação pelo crime de extorsão na forma tentada, o único que permitia a prisão preventiva de Rui Pinto. O hacker é suspeito de ter proposto ao então responsável do fundo de investimento Doyen, Nélio Lucas, a não publicação de documentos sensíveis para o fundo de investimento em troca de uma avultada quantia de dinheiro. Rui Pinto sempre alegou que apenas pretendia perceber junto da Doyen quão sensível era a informação recolhida. 

As denúncias de Rui Pinto

Rui Pinto é o rosto do Football Leaks, a página que, a partir de 2015, colocou o mundo do futebol em alvoroço. Detalhes das maiores transferências, contratos e outros documentos altamente confidenciais foram revelados aos adeptos. Algumas destas operações chegariam a ser investigadas, originando a condenação de clubes e dirigentes.

Em Portugal, a Autoridade Tributária (AT) lançou uma operação de buscas aos principais clubes de futebol no início de Março. Vários clubes foram alvo de buscas na Operação Fora de Jogo, incluindo FC Porto, Benfica e Sporting. O agente Jorge Mendes e a Gestifute também foram alvo de investigações. As autoridades, que terão usado documentos publicados pelo hacker como base para as investigações, suspeitam de fraudes fiscais cometidas pelos clubes e intermediários em transferências de jogadores.

Mas o leque de denúncias feitas por Rui Pinto vai além do futebol. Em Janeiro, o hacker assumiu ter sido o responsável pela recolha de informação que originou os Luanda Leaks, onde foram expostos alegados crimes cometido pela empresária angolana Isabel dos Santos, filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos. A informação recolhida pelo pirata foi entregue a uma plataforma de apoio a denunciantes africanos (PPLAAF), cujo fundador é William Bourdon. O advogado de Rui Pinto entregaria posteriormente o disco rígido ao Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, que faria as revelações.

Rui Pinto foi, ainda, um dos denunciantes do caso Malta Files, investigação onde foi investigada a forma como milionários e grandes empresas abriram negócios neste país do Mediterrâneo para beneficiar do regime fiscal mais suave.