O espanto do mundo
Esta é a quarta conversa da nossa segunda memória, dedicada à polarização.
Em plena epidemia da gripe pneumónica a que chamaram “espanhola”, em 1919, um padre católico em professor da Universidade Complutense de Madrid, chamado Miguel Asin Palacios, que tinha então 48 anos, publicou um livro com o título A escatologia muçulmana na Divina Comédia. A ligação entre a escatologia muçulmana e a Divina Comédia é que não pareceu a toda a gente assim tão evidente.
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Em plena epidemia da gripe pneumónica a que chamaram “espanhola”, em 1919, um padre católico em professor da Universidade Complutense de Madrid, chamado Miguel Asin Palacios, que tinha então 48 anos, publicou um livro com o título A escatologia muçulmana na Divina Comédia. A ligação entre a escatologia muçulmana e a Divina Comédia é que não pareceu a toda a gente assim tão evidente.
Os principais críticos de Asin Palacios foram os literatos italianos, mas foi um deles, chamado Enrico Cerulli, que décadas depois viria a descobrir que o Kitab al Miraj fora traduzido para castelhano e para latim na década de 1260, na corte de Afonso X, em Sevilha. Em latim o livro ganhou o título de Liber Scalæ Mahometi, ou Livro das Escadas de Maomé, uma vez que “Miraj” se pode traduzir tanto por ascensão como por “escadas” ou “degraus”. O tradutor era um italiano activo em Sevilha naqueles anos, chamado Bonaventura di Siena.
Ora, quem era outro italiano que andava por Sevilha naqueles anos, e toscano igualmente como Bonaventura, embora da guelfa Florença e não da gibelina Siena? Nem mais nem menos do que Brunetto Latini, o nosso notário da conversa anterior. E quando Brunetto Latini conseguiu finalmente regressar a Florença, uma das incumbências que em breve lhe coube foi a de ser preceptor de Dante depois da morte do pai deste, Alighiero.
Esta é a quarta conversa da nossa segunda memória, dedicada à polarização.
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