Obrigado aos meus vizinhos
Quando estamos em isolamento em casa, por doença ou precaução, de alguma maneira, passamos a estar atentos a outras formas de ver, de ouvir e de sentir – os nossos vizinhos. Estando mais afastado, pude estar mais perto.
Vivo num terceiro andar de um prédio com mais quatro apartamentos para além do meu, na baixa do Porto. Eu já conhecia a Luana e a sua família recém-chegada do Brasil, do primeiro andar de trás, assim como o senhor Salvador e a senhora Augusta, do primeiro andar da frente, que gentilmente sempre recebem as minhas encomendas quando não estou em casa. Também conheço a Dona Margarida do segundo andar frente, por quem passo de manhã, pelas 7h30, na escadaria do prédio, e a Luísa, que vive no segundo andar de trás, com quem cruzo lugar de estacionamento na garagem. Eu pensava já saber quem eram os meus vizinhos, mas só na semana passada é que os conheci.
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Vivo num terceiro andar de um prédio com mais quatro apartamentos para além do meu, na baixa do Porto. Eu já conhecia a Luana e a sua família recém-chegada do Brasil, do primeiro andar de trás, assim como o senhor Salvador e a senhora Augusta, do primeiro andar da frente, que gentilmente sempre recebem as minhas encomendas quando não estou em casa. Também conheço a Dona Margarida do segundo andar frente, por quem passo de manhã, pelas 7h30, na escadaria do prédio, e a Luísa, que vive no segundo andar de trás, com quem cruzo lugar de estacionamento na garagem. Eu pensava já saber quem eram os meus vizinhos, mas só na semana passada é que os conheci.
Tendo a oportunidade de trabalhar a partir de casa, estou no terceiro andar, nas águas furtadas do nosso prédio, desde segunda-feira, 16 de Março, dia em que a escola e a faculdade onde presto serviço encerraram. Estando em casa desde então, deixei de ver a família da Luana, parei de conviver com o senhor Salvador e com a senhora Augusta, não voltei a cruzar-me com a Dona Margarida, nem com a Luísa. As minhas rotinas com os meus vizinhos pararam. Gradualmente, fui afastando-me cada vez mais deles. Ou assim eu pensava. Quando estamos em isolamento em casa, por doença ou precaução, de alguma maneira, passamos a estar atentos a outras formas de ver, de ouvir e de sentir – os nossos vizinhos. Estando mais afastado, pude estar mais perto.
O primeiro andar de trás tem um pátio que, da minha janela, sempre pareceu ser pouco usado. Nos últimos dias tenho visto a Luana, a sua filha e toda a sua família a brincar e a cantar ao som de bossa nova e samba. Divertidos, bem-dispostos e comunicativos, fizeram-me dançar junto da janela da minha cozinha. Não me lembro de alguma vez o ter feito.
O senhor Salvador e a senhora Augusta fecharam a loja que têm aqui junto do nosso prédio. Saem pouco à rua, mas não deixaram de me dizer quando me viram na escadaria: “Se precisares de alguma coisa diz, como estás sozinho nós podemos ajudar-te.” Espontaneamente queria abraçar, mas afastado tive de agradecer.
A Dona Margarida, pela primeira vez, tocou-me à campainha e pediu desculpa por incomodar. Eu agradeci que tivesse subido um andar e ficámos a conversar sobre quais são os melhores planos de tv+telefone+internet. Mesmo sabendo que não era esse o assunto que interessava, ficámos a conversar.
Mais próxima da minha idade é a Luísa, que também vive sozinha. Deixou um bilhete debaixo da minha porta, no qual escreveu que tinha muitos ovos frescos e que, para não estragar, deixava meia dúzia para mim, junto com o seu número de telemóvel para conversarmos. Desde então, temos trocado mensagens de bom dia, perguntamos se está tudo bem e rimos sobre estarmos sempre de pijama.
Só nesta semana é que pude conhecer os meus vizinhos. À distância do terceiro para o primeiro andar, pela primeira vez, dancei com a Luana e a sua família. Sabendo já da gentileza que caracteriza o senhor Salvador e a senhora Augusta, penso, pela primeira vez, tê-los feito sentir o mesmo. Com a Dona Margarida, com quem um bom dia era tudo o que partilhava, tivemos a nossa primeira conversa e serenei-a sobre a sua filha que vive longe. A Luísa, com os seus ovos frescos, fez-me perguntar o que já suspeitava. Sim, ela é pasteleira e estou agora à espera que suba ao terceiro andar e toque à campainha com uma fatia de bolo. Obrigado!
André Freitas, juntamente com a Luana, o senhor Salvador e a senhora Augusta, a Dona Margarida e a Luísa.