Reforço da ACT com 80 inspectores arrasta-se há quatro anos
Reforços prometidos nos últimos quatro anos não chegam a tempo da crise laboral em curso. Governo abre porta à contratação externa quando já há meio milhão de portugueses em layoff.
Com mais de meio milhão de portugueses em layoff e 32 mil empresas a declarar que estão em crise numa semana, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) vai ter muito que fazer. A ACT tinha, em 2019, 429 inspectores superiores e 14 inspectores técnicos no quadro, segundo o mapa de pessoal (443 no total). No fim de Novembro desse ano, o primeiro-ministro António Costa disse no Parlamento que mais 80 inspectores entrariam ao serviço em Janeiro de 2020. Mas quatro meses depois dessa afirmação, a promessa continua por cumprir.
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Com mais de meio milhão de portugueses em layoff e 32 mil empresas a declarar que estão em crise numa semana, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) vai ter muito que fazer. A ACT tinha, em 2019, 429 inspectores superiores e 14 inspectores técnicos no quadro, segundo o mapa de pessoal (443 no total). No fim de Novembro desse ano, o primeiro-ministro António Costa disse no Parlamento que mais 80 inspectores entrariam ao serviço em Janeiro de 2020. Mas quatro meses depois dessa afirmação, a promessa continua por cumprir.
O reforço da ACT já deveria ter acontecido, mas os dois concursos mais recentes para a contratação de reforços estão a demorar quatro e cinco anos.
Em Maio de 2015, o Estado lançou um primeiro concurso. Contemplava 37 vagas e ainda a “constituição de reserva de recrutamento para cinco postos de trabalho”, segundo o aviso então publicado. Houve 680 candidatos e a selecção arrastou-se. Segundo o PÚBLICO confirmou esta semana junto do Ministério do Trabalho, estes reforços ainda estão em formação.
O então ministro Vieira da Silva autorizou o concurso a 7 de Abril de 2015. Cinco anos depois, o gabinete da actual ministra Ana Mendes Godinho fala em “43 inspectores” (em vez de 42) e diz, em respostas ao PÚBLICO, que “os 43 inspectores estão actualmente em estágio”.
Promessas vêm de 2018…
O PÚBLICO enviou diversas questões à ACT, até porque a actual inspectora-geral, Luísa Guimarães, nomeada para o cargo a 22 de Janeiro de 2018, diria quase oito meses depois, a 11 de Outubro desse ano, que estaria para breve a admissão desses 42 inspectores. A ACT não respondeu até à publicação desta notícia.
Na altura, Luísa Guimarães afirmou que só aguardava pelo desfecho de “uma providência cautelar que deve estar finalizada dentro de dias”. Na mesma audição de Outubro de 2018, a inspectora-geral aludiu a outro concurso, de natureza externa, para a contratação de mais 80 inspectores, que já decorria há quase dois anos. E disse que este concurso estava “numa fase praticamente final”, salientando: “42 mais 80 é um reforço considerável.”
Mas os dias tornaram-se semanas e as semanas tornaram-se meses. Chegou 2020 e a pandemia de covid-19 pôs o sector empresarial numa crise sem precedentes, elevou o número de layoffs para um recorde absoluto e a ACT continua à espera do “reforço considerável”.
…e garantias em 2019
Treze meses depois dessas declarações de Luísa Guimarães, foi a vez de o primeiro-ministro António Costa prometer os mesmos 80 inspectores durante uma intervenção no parlamento.
“Reforçámos a inspecção com 40 novos inspectores provenientes do concurso interno e em Janeiro entrarão em funções 80 novos inspectores provenientes do concurso externo”, garantiria António Costa, numa intervenção parlamentar a 27 de Novembro de 2019, segundo notícias então publicadas. Quatro meses e oito dias depois dessas declarações, o Ministério do Trabalho confirmou ao PÚBLICO que aquela garantia do primeiro-ministro não se concretizou.
“Foram apresentados recursos do acto de homologação da lista final de candidatos, que estão a ser apreciados. Assim que termine esta fase, será dado início ao estágio”, respondeu o gabinete da ministra Ana Mendes Godinho, na sexta-feira passada.
O concurso destes 80 reforços tinha sido lançado ainda pelo anterior inspector-geral, a 6 de Dezembro de 2016 e autorizado umas semanas antes pelo Governo. Apresentaram-se 9000 candidatos.
A iniciativa estava prometida desde Fevereiro, quando o então ministro Vieira da Silva foi a um debate sobre o Orçamento do Estado e anunciou no parlamento a intenção de abrir concurso até ao final de 2016. Tal viria a acontecer nove meses depois.
No mesmo debate, Vieira da Silva comprometeu-se igualmente a finalizar o concurso interno. Quatro anos depois desse debate, os 43 reforços ainda são estagiários. E os tais 80 novos inspectores, anunciados diversas vezes por diferentes responsáveis ao longo dos últimos anos, continuam sem chegar.
Em modo pára-arranca
O historial disponível no próprio site da ACT mostra como a escolha de 80 pessoas se tornou num pára-arranca. Além das diferentes fases do concurso, que obrigaram a gerir 9000 candidaturas, houve múltiplas reclamações e recursos jurídicos.
As candidaturas terminaram a 28 de Dezembro de 2016; em Junho de 2017 foi publicado um conjunto de mudanças nalguns dos júris (cada área de referência teve seu próprio júri); uma primeira lista de candidatos excluídos foi publicada no último dia de Outubro de 2017; e a dos candidatos admitidos saiu em Diário da República dois meses e meio depois, a 12 de Janeiro de 2018.
Seguiram-se as provas de selecção (prova de selecção, exame psicológico, entrevista) e a 4 de Abril de 2019 surgiu finalmente um “projecto de lista de classificação final”. Homologada e publicada a 28 de Maio, essa lista viria no entanto a ser objecto de recursos hierárquicos bem-sucedidos, o que levaria a inspectora-geral, Luísa Guimarães, a anular em Setembro de 2019 o acto de homologação da lista e a devolver tudo aos júris. Em Outubro foi proposta nova lista final, publicada em Diário da República a 16 de Dezembro, mas pelas curtas respostas enviadas agora pelo Ministério do Trabalho ao PÚBLICO, a saga ainda não terá terminado porque, segundo a tutela, ainda há “recursos do acto de homologação”.
ACT pode contratar fora
Assim sendo, o Governo lança agora mão de três instrumentos para reforçar a ACT, numa altura em que o mundo laboral passa por uma situação inédita e o próprio executivo atribui novos deveres e poderes, como o de poder travar de imediato processos de despedimento.
Para reforçar os meios, o decreto n.º 2-B/2020, que renova o estado de emergência, admite a contratação de serviços externos por parte da ACT. Além disso, acelera os processos de mobilidade na função pública, dispensando vistos. E prevê ainda a requisição temporária de inspectores e técnicos superiores a outros serviços do Estado.
O PÚBLICO questionou o gabinete do primeiro-ministro sobre como serão feitas as requisições, tendo em conta que António Costa fica com parte desse poder, segundo o decreto. O gabinete de Costa disse que isso ficará definido “no despacho conjunto do senhor primeiro-ministro e da senhora ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social”.
As normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam para um rácio de um inspector por cada 10.000 trabalhadores. Portugal tinha 4,91 milhões de trabalhadores em 2019, segundo dados do INE para a população empregada, actualizados em Fevereiro e disponíveis na Pordata.
Segundo estas contas, a ACT deveria ter agora 491 inspectores para respeitar aquela norma da OIT, quando agora tem 443. Os 43 em estágio colocarão o quadro da ACT muito perto do valor recomendado. Tendo em conta as muitas denúncias de atropelos laborais por parte de sindicatos, bem como a numerosa legislação nova de trabalho já que saiu (e que o próprio Governo tem vindo a corrigir), todos eles têm uma prova de fogo pela frente. Até porque o número de trabalhadores em layoff pode duplicar face aos dados até agora conhecidos, como admitiu o ministro da Economia, Siza Vieira, que disse que poderemos chegar a um milhão de pessoas em casa. Com Pedro Crisóstomo