O silêncio da covid-19 deixa-nos ouvir melhor os sismos
A diminuição da actividade humana permite isolar melhor o sinal sísmico nas estações situadas em cidades. Se na Bélgica isso significa menos um terço de ruído, em Portugal ainda é muito cedo para mostrar entusiamo por este efeito secundário da pandemia.
O isolamento social imposto pela covid-19 está a ter um efeito secundário inesperado que poderá ajudar a sismologia: há um novo silêncio neste planeta maioritariamente urbano. No Real Observatório de Bruxelas, na Bélgica, os dados de um sismómetro mostram desde meados de Março uma redução de um terço no ruído sísmico causado pela actividade humana, noticiou a revista Nature.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O isolamento social imposto pela covid-19 está a ter um efeito secundário inesperado que poderá ajudar a sismologia: há um novo silêncio neste planeta maioritariamente urbano. No Real Observatório de Bruxelas, na Bélgica, os dados de um sismómetro mostram desde meados de Março uma redução de um terço no ruído sísmico causado pela actividade humana, noticiou a revista Nature.
Essa redução da interferência das vibrações na crosta do planeta — o chamado ruído de fundo — pode permitir aos detectores apanhar sismos mais pequenos, melhorando os dados sobre a actividade sísmica e vulcânica. No observatório de Bruxelas, esse abrandamento só tem sido brevemente registado no Natal, explicou à revista britânica Thomas Lecocq, acrescentando, entusiasmado, que agora é como ter um detector enterrado num poço com 100 metros de profundidade: “Isto está mesmo a ficar calmo na Bélgica.”
Se as medidas de isolamento social e de quarentena continuarem nos próximos meses, as estações situadas em cidades podem conseguir detectar com mais sucesso as ondas que se propagam pela Terra depois dos sismos. “Recebemos um sinal com menos ruído em cima, permitindo extrair um pouco mais de informação desses eventos”, diz Andy Frassetto, um sismologista do consórcio Instituições de Investigação Integradas para a Sismologia (IRIS), em Washington, também citado pela revista.
Em Portugal, nota-se apenas uma ligeira descida nas estações sísmicas do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) situadas perto das zonas habitadas: “Numa primeira análise, a estação sísmica de Bragança, que se localiza no exterior da cidade, a cerca de 500 metros do centro, é uma das que parece ter algum decréscimo no nível de ruído sísmico, traduzido essencialmente numa diminuição da variação de amplitude pico a pico”, explica o geofísico Fernando Carrilho, o que pode indiciar uma associação a um decréscimo da actividade humana.
O mesmo comportamento de aproximação entre os níveis de dia e da noite foi observado nas estações de Lamas de Ôlo (concelho de Vila Real), Torre de Moncorvo e Gavieira (a última no Gerês), que estão bastante mais afastadas de zonas urbanas importantes.
“Nas estações do Sul do Continente, como Castro Verde ou Barrancos, não notamos qualquer alteração. De qualquer forma, são resultados muito preliminares, é necessário um estudo muito mais detalhado que tenha em conta frequências de vibração mais elevadas e considerados outros factores”, continua Fernando Carrilho, acrescentando que, para já, é o que conseguem distinguir olhando para os gráficos produzidos pelos registos. “Na Bélgica, um país pequeno, a maior parte das estações sísmicas não está suficientemente isolada e é muito natural que tenha sido observada essa diminuição de ruído sísmico”, comenta.
Em todo o território nacional, o IPMA tem 82 estações (45 no Continente, 32 nos Açores e cinco na Madeira), de três tipologias diferentes: de banda larga, de curto período e acelerométricas. É nas de banda larga, as mais sensíveis e monitorizadas continuamente, que se faz a avaliação do ruído sísmico: “As de banda de larga estão nos sítios mais isolados. Nas 36 que temos em Portugal, só nas quatro do Norte é que registámos alterações.”
O tweet de uma estudante de mestrado de geofísica do Instituto de Tecnologia da Califórnia, também partilhado pela Nature, comenta “uma queda verdadeiramente estranha” registada num gráfico de uma estação sísmica situada em Los Angeles, nos Estados Unidos, que tal como Lisboa está situada perto de uma falha geológica. Mas na região de Lisboa e Vale do Tejo, comenta o geofísico português, as estações são predominantemente acelerométricas. “São estações por natureza orientadas para acompanhar e registar de forma não saturada os sismos fortes. Tem níveis de vibração muito baixa.”
Além dos belgas, que têm uma actividade sísmica relativamente baixa no contexto europeu, os geofísicos do IPMA já foram contactados por outros colegas do continente europeu com o objectivo de produzirem um relatório conjunto capaz de quantificar o efeito da covid-19 no ruído sísmico. “Se houver uma redução dos níveis do ruído, aumenta à partida a resolução: os sismos mais pequenos passam a ser melhor registados e mais facilmente interpretados.”
Daqui a umas semanas, poderá já haver dados mais precisos na quantificação do efeito em Portugal, porque há outros factores, como as condições meteorológicas, que têm de ser vistos com muito cuidado: “São resultados muito preliminares e é necessário um estudo muito mais detalhado que tenha em conta frequências de vibração mais elevadas e considerados outros factores. O bom tempo, por exemplo, também pode afectar o desempenho dos equipamentos.”