Comercializadoras de energia defendem alívio nas facturas dos consumidores
As comercializadoras do mercado liberalizado frisam que evitar situações de incumprimento das famílias e das empresas também garante a saúde financeira do sector.
A crise da covid-19 traz riscos para os consumidores de energia, mas também para as empresas que a comercializam. O presidente da Acemel, a associação que reúne 14 comercializadoras de energia do mercado liberalizado, confirmou ao PÚBLICO que há “redução de facturação de todos os comercializadores de energia, sem excepção”.
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A crise da covid-19 traz riscos para os consumidores de energia, mas também para as empresas que a comercializam. O presidente da Acemel, a associação que reúne 14 comercializadoras de energia do mercado liberalizado, confirmou ao PÚBLICO que há “redução de facturação de todos os comercializadores de energia, sem excepção”.
Por tratar-se de um negócio “com necessidades de capital intensivo, de riscos de mercado e custos fixos altos”, as empresas estão “mais expostas aos efeitos económicos” da crise sanitária, defendeu Ricardo Nunes.
Questionado sobre o impacto de medidas como as defendidas pelo Bloco de Esquerda, de suspensão da cobrança às famílias das despesas de telecomunicações, água e energia, o presidente da Acemel concorda que “o mais importante é que todos os consumidores, independentemente da sua situação social, da sua localização e do seu sector de actividade, possam, nesta fase, ter algum alívio financeiro na factura de energia”.
Antes de se falar em “isenção total” dos pagamentos, defende que se procurem “soluções intermédias”. Entre elas, “a isenção do pagamento de redes e potência, entre outras componentes, durante este período extraordinário”. São encargos que representam metade da factura mensal.
Se as despesas dos consumidores caírem e estes conseguirem cumprir os seus pagamentos, as comercializadoras também conseguem manter-se sustentáveis, explicou Ricardo Nunes, assegurando que a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e o Governo “estão atentos a esta situação e tomarão as devidas diligências”.
Falar em falências no sector energético “poderá ser exagerado”, mas a situação “dependerá do período que dure o estado emergência, do tempo de recuperação da economia e das medidas que serão tomadas no curto prazo pelas entidades do sector”, afirmou o presidente da Acemel.
“A questão central é o modelo de negócio da comercialização, que exige às comercializadoras que sejam puros intermediários no que diz respeito a redes, potência, contribuição áudio visual [taxa RTP] e impostos”, quando aquilo que na prática vendem aos consumidores é só a energia, destacou.
Trata-se de rubricas que representam “a maior percentagem” do valor da factura de electricidade, mas os comercializadores não só não têm “qualquer benefício por essa intermediação”, como lhes é exigido que assumam “o risco de cobrança” junto dos consumidores, com a constituição de garantias que afectam as suas tesourarias.
Mais incumprimentos
A Acemel admite que “os incumprimentos deverão aumentar”, pois isso já se sentiu em Março, e espera medidas que possam “minimizar os efeitos colaterais dessa situação” e também que a ERSE actue para evitar “aproveitamentos quer do lado das empresas do sector, quer dos consumidores”.
O presidente da Acemel (que reúne Aldro, Alfaenergia, Dourogás, Ecochoice, Enat – Energias, Energia Simples, Hen, Holaluz, JafPlus, Logica Energy, Luzboa, Luzigás, Rolear Viva e Ylce by Enforcesco) assegura que a associação tem estado “em contacto permanente com as diferentes entidades oficiais” e apresentado propostas que confia que “em breve serão uma realidade”.
Entre elas o alargamento aos consumidores empresariais de algumas medidas excepcionais definidas recentemente pela ERSE para proteger as famílias.
“Essas alterações são fundamentais no negócio dos comercializadores”, frisou Ricardo Nunes, já que o segmento empresarial tem “grande impacto” por representar uma fatia importante do consumo. “Com as empresas a encerrar e a reduzir abruptamente o consumo de energia, este fenómeno traz riscos acrescidos para toda a cadeia de valor”, sublinhou.
Relativamente aos domésticos, a ERSE estabeleceu que as empresas não podem efectuar cortes de electricidade e de gás natural durante o período de pandemia e que devem aceitar os pedidos de pagamento fraccionado que lhes sejam feitos pelos clientes, sem cobrar juros de mora.
Quebra depois do estado de emergência
A REN – que gere o sistema energético nacional – revelou que os consumos de electricidade e de gás natural registaram quedas homólogas de 8% e 4%, respectivamente, entre a declaração do estado de emergência (no dia 18) e o final de Março.
Uma evolução também confirmada ao PÚBLICO por algumas comercializadoras, que procuram reagir à crise. “Notamos uma quebra no consumo de 20%” no sector empresarial, disse João Nuno Serra da Enforcesco, que tem a marca Ylce.
Depois da declaração do estado de emergência, a empresa lançou uma tarifa de electricidade que estará em vigor até ao final de Maio e em que promete poupanças “que poderão chegar a 20% de desconto”.
Na Goldenergy, o encerramento de hotéis, restaurantes e algumas empresas têxteis, “muitas delas dependentes da Inditex [a empresa espanhola que é dona da Zara]”, levou a uma quebra de 27% na facturação prevista para o negócio de gás natural, adiantou o director-geral, Miguel Checa.
Ainda assim, o responsável diz que “o plano de investimentos continua igual”, incluindo o objectivo de recrutar cinco pessoas. A empresa criou um fundo de 300 mil euros para garantir um mês de energia grátis até um máximo de seis mil clientes em situação de perda de rendimentos.
Na Luzboa, também se sentiu uma quebra no sector empresarial, “que é um grande constrangimento para todas as comercializadoras e que nunca será compensado por uma subida no residencial”, sublinhou o director-geral, Pedro Morais Leitão.
O incumprimento dos clientes é uma dor de cabeça porque as comercializadoras incorrem semanalmente no custo da energia. Se o cliente não paga, “não é deixar de ganhar”, é perder dinheiro.
Dizendo que está a aconselhar os clientes em baixa tensão normal (os domésticos ou pequenos negócios) a aderirem à tarifa da Luzboa que está indexada à evolução do mercado grossista, e que “representou em Março uma poupança de 25% face à tarifa regulada”, Pedro Morais Leitão diz que já tem pedidos de pagamentos fraccionados.
“Houve uma empresa que pediu o fraccionamento das facturas de 40 lojas”, exemplificou.
O presidente da Acemel, Ricardo Nunes, adiantou que os pedidos de fraccionamento ainda não são “em número elevado” porque os clientes “percebem que não se trata de uma isenção, mas sim de um adiamento do pagamento”.
Se este adiamento for “mal gerido, poderá provocar congestionamentos na tesouraria das famílias e das empresas em meses subsequentes”, notou.
A Galp garantiu ao PÚBLICO que está “a acompanhar as necessidades dos seus clientes – empresas e particulares” e que está a “estabelecer planos de pagamento adequados às necessidades concretas de cada cliente”.
Excedente de armazenagem no gás
Nuno Afonso Moreira, presidente executivo do grupo Dourogás, adiantou ao PÚBLICO que a empresa registou nas últimas semanas “uma quebra significativa, em torno de 80%”, no consumo da carteira de clientes ligados à indústria.
A redução afecta também “ligeiramente” os fornecimentos de gás natural veicular (GNV) no transporte de mercadorias e é de cerca de 50% nos pesados de passageiros.
Para o gestor era importante que as empresas comercializadoras pudessem contar com medidas regulatórias, de preferência articuladas entre a ERSE e o regulador espanhol da energia, que permitissem “a devolução dos direitos de utilização de capacidade [DUC]” que já foram adquiridos para fazer transitar o gás natural entre Espanha e Portugal.
Esses direitos, que “são comprado com um ano de antecedência” são pagos à Enagás, que gere a rede espanhola, e à REN, responsável pelo sistema de gás natural português. Seria “justo” que as empresas pudessem “pagar apenas a quantidade que fizessem transitar e não o que previam fazer transitar” e que os clientes deixaram de comprar, defendeu.
São direitos comuns (e representam “10% do custo da energia” cobrada aos clientes), pelo que “o ideal era que se encontrasse um mecanismo regulatório comum, transversal a todos os comercializadores, para devolvê-los” aos operadores de rede espanhol e português.
As empresas ainda podem tentar “negociar com os fornecedores” as quantidades de gás natural compradas. Mesmo assim, Nuno Afonso Moreira admite que vá haver algum excedente na Península Ibérica e que, por isso, “o gás também vai ficando mais caro, porque se tem de ir pagando o custo da armazenagem”.