Acordos no contencioso tributário e soluções de recuperação pós covid-19
O perigo é o de se tirar com a mão fiscal o que se dá com estímulos económicos. O grande desafio é gerar liquidez sem com isso abalar a já muito desgastada previsibilidade tributária.
O Estado precisa de dinheiro.
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O Estado precisa de dinheiro.
No passado, recorreu-se a medidas extraordinárias de regularização de patrimónios. Já estão regularizados. À baixa das taxas de juro. Estão negativas. À subida de impostos sobre o rendimento e consumo. Atingiram níveis históricos. Ao aumento da dívida pública. Está no limite. À emissão de moeda. Não temos política monetária própria.
Porque o Estado precisa de dinheiro, a pressão fiscal vai aumentar. Voltaremos a discutir a retroactividade, a capacidade contributiva, os limites da parafiscalidade. Em breve, a máquina tributária vai retomar e reforçar a sua fisionomia mais agressiva.
O perigo é o de se tirar com a mão fiscal o que se dá com estímulos económicos. O grande desafio é gerar liquidez sem com isso abalar a já muito desgastada previsibilidade tributária.
Um novo olhar sobre o contencioso tributário poderá ajudar neste desafio. De facto, o valor dos processos fiscais pendentes nos tribunais administrativos e fiscais e nos tribunais arbitrais é da ordem dos milhares de milhões de euros. Contudo, a percentagem de decisões judiciais favoráveis à administração tributária não deverá chegar, atendendo aos dados da OCDE conhecidos, a 40%.
A preferência pela via judicial só se justifica, do ponto de vista racional, quando o montante proposto para acordo é inferior ao produto do valor da causa pela probabilidade de ganho, decrescido dos custos com o processo. Em termos muito simplificados, poderá dizer-se que, se a probabilidade de ganho for 40%, serve mais o interesse público aceitar 41 num processo de 100 do que arriscar litigar. Contudo, a Autoridade Tributária não pode tomar aquela opção por não existir no contencioso tributário um procedimento institucionalizado de acordo.
Abrir o caminho da negociação no âmbito dos processos judiciais tributários pendentes pode permitir antecipar e aumentar a receita efectiva do Estado. Desde logo, quando o pagamento do tributo ainda não teve lugar. E mesmo na situação em que o pagamento ocorreu, é possível instituir um sistema de crédito de imposto a utilizar com encargos fiscais futuros do sujeito passivo, de modo a não comprometer as necessidades imediatas de liquidez do Estado.
Um acordo não significa qualquer perdão fiscal pela razão simples de que as dívidas tributárias contestadas não são certas. Pelo contrário, são até muito incertas. Em especial, se a negociação ocorrer por referência ao contencioso global do sujeito passivo ou do grupo fiscal ou económico em que se insere. No limite, para assegurar a eficiência do sistema e a adesão das partes, a rejeição da proposta de acordo apresentada deveria conduzir a um agravamento da taxa de justiça na medida em que a parte saísse vencida na acção judicial.
A ausência de medidas de desvio do conflito conduz à paralisação das instâncias de controlo. O que, por sua vez, promove actuações da administração à margem da legalidade. O problema não é novo. O desafio é.