Refugiados: Polónia, Hungria e República Checa violaram a lei, diz tribunal europeu

A decisão diz respeito ao mecanismo de recolocação de refugiados acordado em 2015 e que vigorou até 2017. Quando se discute um novo pacto europeu para as migrações, especialistas dizem ao PÚBLICO que obrigar os países não é solução.

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No Verão de 2015 cerca de um milhão de pessoas atravessam o Mediterrâneo para chegar à Europa YANNIS BEHRAKIS/Reuters

A Polónia, a Hungria e a República Checa violaram a lei europeia ao recusar receber requerentes de asilo no âmbito de um esquema acordado pela União Europeia em 2015. O esquema de recolocação pretendia aliviar os países nas fronteiras externas da UE quando mais de um milhão de refugiados atravessaram o Mediterrâneo para chegar sobretudo a Itália e à Grécia.

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A Polónia, a Hungria e a República Checa violaram a lei europeia ao recusar receber requerentes de asilo no âmbito de um esquema acordado pela União Europeia em 2015. O esquema de recolocação pretendia aliviar os países nas fronteiras externas da UE quando mais de um milhão de refugiados atravessaram o Mediterrâneo para chegar sobretudo a Itália e à Grécia.

O debate sobre a recolocação dos refugiados em 2015 expôs a dificuldade em encontrar um consenso na União Europeia, mostrou os limites da solidariedade e criou uma nova linha de divisão europeia: após a fractura Norte/Sul da austeridade, a fractura Leste/Oeste dos refugiados. 

Segundo o veredicto, a Polónia concordou com a recolocação de 100 requerentes de asilo mas depois não recebeu nenhum, a República Checa aceitou 50 mas recebeu apenas 12, e a Hungria não indicou sequer um número de pessoas que poderia acolher. “Ao recusar-se a cumprir o mecanismo temporário para a recolocação de requerentes de protecção internacional, a Polónia, Hungria e a República Checa falharam no cumprimento das suas obrigações perante a lei da União Europeia”, declarou o Tribunal de Justiça da União Europeia num veredicto esta quinta-feira.

Como o esquema estava previsto até 2017, não haverá uma pena imediata para os três países, mas o veredicto do tribunal com sede no Luxemburgo diz que a Comissão Europeia ainda poderá decidir uma penalização. 

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse esta quinta-feira que o veredicto “se refere ao passado, mas dá-nos orientação para o futuro”. Acrescentou que a Comissão está a trabalhar num novo pacto europeu para as migrações, mas não mencionou qualquer acção específica.

Para John Dalhuisen, analista no centro de estudos ESI (European Stability Initiative), com sede em Berlim, “o veredicto - embora fosse inevitável e necessário - sublinha a fraqueza da União Europeia mais do que aumenta a sua força”. 

Em declarações ao PÚBLICO, Dalhuisen comentou que o episódio que deu origem ao veredicto “mostra os perigos de a União Europeia ultrapassar o limite da verdadeira solidariedade que existe”.

Por isso, Dalhuisen não espera que o veredicto tenha um efeito prático na discussão do novo pacto para as migrações. “A decisão não muda a dinâmica. Os que querem encontrar estratégias de controlo de migração para a União Europeia que sejam baseadas na solidariedade não podem contar com alguns países. Não devem tentá-lo. Nem precisam de o fazer”, insistiu. 

Políticas vinculativas não são solução

O melhor modo de avançar é com “coligações de estados que estejam disponíveis [para estas soluções], apoiados por infra-estrutura e financiamento europeu”, argumenta Dalhuisen. “Esse é um modo muito melhor do que políticas europeias vinculativas - essa é a lição a tirar.”  

Para o advogado Omer Shatz, professor no instituto Sciences Po (Paris), que está a protagonizar, junto com Juan Branco, um processo contra a União Europeia no Tribunal Penal Internacional (TPI) por causa da política relativa a migração, este veredicto “não tem qualquer significado”.

“Na verdade, demonstra o falhanço total das políticas de migração da União Europeia, tanto externas como internas, que não são apenas violações dos direitos humanos de cada Estado sob a lei internacional, mas que correspondem a crimes contra a humanidade e levam a responsabilidade criminal dos responsáveis europeus”, declarou ao PÚBLICO, evocando o cerne do caso que apresentou no TPI - que as mortes no Mediterrâneo resultam de políticas europeias destinadas a dissuadir as pessoas de tentar chegar deste modo à UE.

Shatz também aponta que o esquema de recolocação era uma parte de uma política que vê como “problemática” porque deixa ainda assim uma grande parte dos requerentes de asilo nos países de chegada: “O objectivo era recolocar 40 mil no total de um milhão de requerentes de asilo”, nota, quando a população total dos 27 era de 512 milhões de pessoas.

O advogado argumentou que “a Comissão Europeia que está a quebrar a lei internacional e a ser cúmplice em crimes de guerra”, invocando ainda o acordo com a Líbia em que os requerentes de asilo são deixados em campos e sujeitos a tortura, e onde a guarda costeira líbia que recebe financiamento da União Europeia é por vezes a mesma que organiza, e lucra, com as viagens dos refugiados pelo mar. Esta Comissão Europeia “não pode esperar que os seus Estados membros cumpram os seus esquemas superficiais”.

Dalhuisen, pelo seu lado, acrescentou que a decisão não demoverá, pelo contrário, só dará força à atitude dos países condenados. As primeiras reacções mostram isto mesmo.

A ministra da Justiça da Hungria, Judit Varga, argumentou que o seu Governo “tinha razão”, já que o esquema de recolocação “morreu”. E declarou num comunicado que o veredicto é “especialmente chocante dado que quase nenhum país implementou totalmente as quotas decididas em 2015”. 

A Polónia também disse, num comunicado citado pelo New York Times, que o facto de a Comissão só ter apresentado queixa contra três países “mostra que não trata todos os países de igual modo”.