No princípio era o fim do mundo

Esta é segunda conversa da nossa segunda memória, dedicada à polarização.

Entre 500 e 1500 não há praticamente geração que não acredite ser a última, e o mais notável é que quem faz essas previsões não são só profetas loucos ou marginais, mas os mais importantes bispos, teólogos e autores de três religiões, duas delas cada vez mais dominantes desde a Ásia Central até à Europa Ocidental. A crença no fim do mundo para breve, para hoje, para este ano, até para ontem, não é uma maluqueira das franjas da sociedade mas um facto perfeitamente assumido por estas sociedades a partir do topo da sua hierarquia religiosa, num tempo em que a religião se foi tornando o discurso determinante, ou até mesmo o pensamento único.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Entre 500 e 1500 não há praticamente geração que não acredite ser a última, e o mais notável é que quem faz essas previsões não são só profetas loucos ou marginais, mas os mais importantes bispos, teólogos e autores de três religiões, duas delas cada vez mais dominantes desde a Ásia Central até à Europa Ocidental. A crença no fim do mundo para breve, para hoje, para este ano, até para ontem, não é uma maluqueira das franjas da sociedade mas um facto perfeitamente assumido por estas sociedades a partir do topo da sua hierarquia religiosa, num tempo em que a religião se foi tornando o discurso determinante, ou até mesmo o pensamento único.

Que importância tem isto? Tem toda. Como é evidente, acreditar, acreditar solidamente mesmo, como se fosse um facto de todos os dias tão concreto como o nascer ou o pôr-do-sol, que obviamente o mundo vai acabar e vai acabar em breve, durante as nossas vidas, muda tudo nas nossas vidas. Não se fazem as mesmas escolhas, não se fazem os mesmos planos, não se projecta as nossas vidas no futuro da mesma forma quando damos por adquirido que o mundo está mesmo para acabar.

Hoje somos uma sociedade orientada para o futuro — é talvez por isso que a actual pandemia nos irrita solenemente ao não só escapar aos nossos planos como ao tornar os nossos planos, mesmo os de médio prazo, completamente impossíveis — coisas como a “carreira”, a “trajectória” e o “sucesso” inscrevem-se nessa orientação para o futuro que é tornada parte indissociável do nosso ego.

Antes de nós houve durante alguns séculos gerações orientadas para o futuro, talvez de uma forma mais extensível ainda, incluindo a família, os herdeiros, a acumulação de património, os valores chamados “burgueses” e por aí afora. Mas antes disso, e por um milénio inteiro, a visão que cada geração tinha do tempo à sua frente era mais orientada para o temor e a glória em simultâneo de se ter um lugar no fim do mundo — no fim dos tempos, para ser mais rigoroso — e sobretudo no início de uma nova dimensão que já não era temporal mas espiritual, feita de eternidade.

Esta é segunda conversa da nossa segunda memória, dedicada à polarização.

O podcast Agora, agora e mais agora está disponível no Spotify, na Apple Podcasts e em outras aplicações de podcasts.

Conheça os podcasts da Rede PÚBLICO em publico.pt/podcasts. Tem uma ideia ou sugestão? Envie um e-mail para podcasts@publico.pt.