Estado de emergência deve prever recolher obrigatório?
Constitucionalistas defendem que decreto presidencial deve apertar as malhas da contenção, prevendo quarentenas obrigatórias, mais limites à liberdade de circulação e reforço do crime de desobediência.
O Presidente da República prepara-se para aprovar o decreto de renovação do estado de emergência, depois de receber, já nesta quarta-feira, o parecer do Governo, a quem cabe definir as medidas concretas para conter a pandemia de covid-19. “No futuro imediato, impõe-se manter as medidas de contenção”, disse o chefe de Estado. Mas nem Marcelo Rebelo de Sousa nem António Costa quiseram, até agora, revelar se os termos daquela renovação podem ser alterados.
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O Presidente da República prepara-se para aprovar o decreto de renovação do estado de emergência, depois de receber, já nesta quarta-feira, o parecer do Governo, a quem cabe definir as medidas concretas para conter a pandemia de covid-19. “No futuro imediato, impõe-se manter as medidas de contenção”, disse o chefe de Estado. Mas nem Marcelo Rebelo de Sousa nem António Costa quiseram, até agora, revelar se os termos daquela renovação podem ser alterados.
Dois constitucionalistas ouvidos pelo PÚBLICO, Jorge Bacelar Gouveia e Paulo Otero, defendem que, nesta nova fase, o decreto presidencial deve apertar as malhas da contenção da doença, prevendo quarentenas obrigatórias, mais limites à liberdade de circulação e reforço do crime de desobediência, pelo menos.
Paulo Otero é o mais ousado: “É preciso reforçar a limitação à liberdade de circulação das pessoas, porque tem havido muitas situações de desobediência, sobretudo dos mais novos e dos mais velhos”, defende. Para sugerir que se avance, por exemplo, para o “recolher obrigatório, excepto para quem garante serviços essenciais da comunidade”.
Para apertar a malha da liberdade de circulação, Bacelar Gouveia prefere pôr a tónica no reforço do crime de desobediência. “As polícias andam a fazer detenções de pessoas que circulam sem motivo atendível, mas, uma vez presentes a tribunal, o entendimento é diferente e não é considerado crime”, diz, lembrando que actualmente só existe o dever de confinamento no caso de pessoas infectadas ou em quarentena.
Por isso, acrescenta, “seria importante haver um reforço e clarificação da norma relativa ao desenho do crime de desobediência”. Paulo Otero concorda que seria necessário haver “uma maior incidência do crime de desobediência”.
De acordo estão também os dois constitucionalistas na necessidade de prever melhor o enquadramento das quarentenas obrigatórias. “O decreto devia especificar a possibilidade de medidas mais drásticas de confinamento em regiões com maior incidência da doença para não haver o perigo de pessoas dessas regiões se deslocarem e infectarem outras”, defende Bacelar Gouveia.
Paulo Otero defende, por outro lado, quarentenas obrigatórias para todas as pessoas que entrem em território nacional, sejam portuguesas ou estrangeiras. “Considero que foi infeliz a recomendação da provedora relativamente às quarentenas regionais”, disse, referindo-se às críticas que Maria Lúcia Amaral fez às quarentenas decretadas no Algarve e no Nordeste transmontano, por não estarem enquadradas numa decisão nacional. “Penso que o interesse público justifica claramente as quarentenas obrigatórias de quem vem de fora”, frisa.
Mais poderes aos militares?
Neste ponto é que os dois constitucionalistas divergem totalmente. Paulo Otero quer ver as Forças Armadas na rua, ao lado dos polícias, no controlo de estradas, pontes e outros pontos essenciais. “É preciso chamar os militares a desempenhar funções de protecção civil”, defende, sustentando essa necessidade com “o risco de aumento de tensão social devido aos efeitos do confinamento” e com a “possibilidade de vir a haver racionamento de bens.
Bacelar Gouveia discorda totalmente. “Essa é a grande diferença entre o estado de sítio e o estado de emergência: no primeiro, as Forças Armadas substituem as autoridades civis, enquanto no estado de emergência o poder mantém-se nas instituições civis”, defende. “As Forças Armadas podem ‘coadjuvar’, é o que está na lei e o que hoje estão a fazer: ajudar nas acções logísticas, na instalação de hospitais de campanha, no transporte de pessoas ou de equipamento, mas nunca interferindo na relação directa com os cidadãos”, sustenta.
Para este constitucionalista especialista em Direito da Segurança, cuja tese de doutoramento foi precisamente sobre os estados de excepção constitucionais, “é um risco enorme mudar o padrão para a militarização sem mudar a natureza do estado de emergência para o estado de sítio”.
Condição de que Paulo Otero discorda: “O estado de emergência já prevê a colaboração das Forças Armadas, onde hoje está a polícia amanhã podem estar os militares, se for preciso. Basta reforçar o próprio estado de emergência.”
Na segunda-feira, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que era preciso “calibrar as medidas”, tendo em conta que serão “várias semanas” aquelas que o estado de excepção ainda pode durar. O que quer dizer que esta discussão ainda pode vir a repetir-se nos próximos tempos.