A grande crise
Este é um dos momentos da história em que são precisos líderes à altura da situação que vivemos. Líderes que percebam que o maior ensinamento que o vírus nos proporcionou tem a ver com a existência de valores que estão bem acima do culto do individualismo e de visões de curto prazo. Aí sim, teremos a política, no seu sentido mais nobre, no seu esplendor.
São muitas as opiniões que afirmam que depois da crise do coronavírus nada será como dantes.
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São muitas as opiniões que afirmam que depois da crise do coronavírus nada será como dantes.
Então, como será depois? Mudaremos de comportamento? Colocaremos o coletivo à frente do individualismo? O chamado neoliberalismo terá os dias contados? Apelaremos mais ao intervencionismo do Estado? As teorias keynesianas sairão reforçadas? As políticas sociais públicas terão outra focalização e vão privilegiar a proximidade? O projeto da União Europeia caminhará no sentido de uma maior integração política e económica? O teletrabalho vai ser fortemente incrementado? O ensino à distância passará a ser um pilar essencial dos sistemas educativos? Os populismos irão proliferar ou, pelo contrário, um maior reforço da consciência coletiva será suficiente para a sua rejeição? O consumo desenfreado como indicador de felicidade será atenuado? O combate à pobreza e às desigualdades será uma prioridade global? O ter e o parecer vão regredir em relação ao ser? A globalização terá uma maior regulação? Fará sentido a discussão entre direita e esquerda? Mais conhecimento e mais inovação serão canalizados essencialmente para a melhoria das condições de vida no planeta? O poder estará cada vez mais nas mãos de quem domina os nós das mega conetividades à escala global?
Estas são algumas das questões às quais as sociedades do pós-vírus terão de responder.
Ainda não é possível termos respostas para todas estas perguntas. Apenas percebemos que hoje a prioridade é a saúde pública e há uma clara preocupação dos governantes em procurar que se atinja um adequado equilíbrio para tentar salvar pelo menos uma parte da economia, no que respeita, na medida do possível, à manutenção do emprego e dos rendimentos, porque é sabido que sem economia as sociedades não existem. Em tudo o resto há apenas opiniões, a maior parte das vezes muito pouco fundamentadas.
Um aspeto que parece ser claro prende-se com a ideia de que a saída não pode ser encontrada país a país e, por isso, o conceito de solidariedade vai impor-se não por uma questão de “ideal” mas como uma necessidade. Dadas as circunstâncias, o funcionamento da economia vai depender, em larga medida, das decisões tomadas pelos Estados, e daí que o chamado mercado vai ter poderes mais limitados. A este respeito, alguém já disse que vamos passar de um tempo em que, se antes da crise a preocupação maior tinha a ver com a acumulação de capital, no novo tempo teremos uma economia baseada na dívida.
Há sinais de que a União Europeia encara como uma necessidade a mutualização da dívida e, se assim for, o conceito de globalização vai mudar, porque vai passar a ser dominado pela gestão da dívida colossal, que terá de ser contraída pelos agentes económicos e em que os sistemas bancários vão desempenhar um papel muito relevante.
A ir por este caminho admito como inevitável que a União Europeia explicite através de um sinal muito claro que quer mesmo minimizar as consequências da crise e que está disposta a colocar como prioridade maior o relançamento da economia.
Como também é provável a declaração do estado de calamidade ou de emergência para a economia europeia, o que significa a constatação de que todos os Estados-membros da União estão convictos de que só juntos poderão encontrar uma saída minimamente satisfatória.
Parte desse sinal já foi dado quando a Comissão autorizou que o limite do deficit orçamental de 3% pode ser ultrapassado, sem restrições de qualquer espécie.
Mas é curto. Muitos têm sido os que apelam à emissão de dívida pública europeia, mas o problema para a concretização dessa ideia tem a ver com a forma muito deficiente com que a moeda única foi criada. É seguro que a dívida dos Estados-membros da União Europeia vai aumentar de forma avassaladora e, se nada for preparado, alguns ficarão rapidamente em situação de incumprimento. Perante esta realidade e constrangimento, a União Europeia tem de se preparar urgentemente para a conclusão desse sonho, ainda por concretizar na sua totalidade, chamado de moeda única. Neste momento só restam duas alternativas, ou a Europa faz o que falta para consolidar de forma definitiva a zona euro, ou o projeto de integração económica e política mais sofisticado do planeta desaparecerá.
A situação é confusa e muito complexa. Arrasta muitas dúvidas e poucas ou nenhumas certezas. Este é um dos momentos da história em que são precisos líderes à altura da situação que vivemos. Líderes que percebam que o maior ensinamento que o vírus nos proporcionou tem a ver com a existência de valores que estão bem acima do culto do individualismo e de visões de curto prazo. Aí sim, teremos a política, no seu sentido mais nobre, no seu esplendor.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico