Dia 9: O país pode parar, mas a culpa das mães nunca!

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação infantil. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidade, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, separadas pela quarentena, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida Mãe,

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Querida Mãe,

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Como está de saúde? E de culpa?

Fico fascinada pela nossa (vou atrever-me a generalizar para todas as mães deste país) capacidade de acumular culpas. E esta quarentena só veio provar que a culpa vem de dentro e não de factores externos.

O horário normal de culpa de uma mãe costuma ser mais ou menos este:

7h Culpa por não ter acordado mais cedo para fazer ioga.

8h Culpa por não ter comida em casa para enviar almoços e lanches (ou, pelo menos, não daqueles dignos do Instagram).

9h Culpa por deixá-los na escola.

12h Culpa por nos sentarmos no sofá a ver uma série, depois de uma manhã a correr para os ir deixar a todos, mais trabalho, mais “lida” de casa, etc..

15h Culpa por não ter “trabalhado” quase nada.

16-18h Culpa por ir buscá-los demasiado cedo ou demasiado tarde, dependendo dos dias.

18h Culpa de não os levar a passear ao jardim; de não brincar o suficiente com eles; ou de brincar, mas com a cabeça noutro lado, de lhes dar iPads; de os deixar ver demasiada televisão ou jogar consola.

19h Culpa por não ter pensado no jantar.

20h Culpa por não ter arrumado a casa o suficiente.

21h Culpa por não os ter deitado mais cedo, de não adormecerem sozinhos, de adormecerem sozinhos, de todos os gritos que se deram, impaciências que se tiveram.

22h Culpa de não ter paciência ou força para conversar (nem sequer vou mencionar outras coisas lol) com o marido.

23-3h Culpa por todas as amigas a quem não se telefonou, todas as tarefas que se deixou por fazer, todos os projectos que não se pôs em andamento, todas as guerras... e da fome no mundo.

Uffff... No início desta quarentena, senti um alívio enorme de culpa. Tantas das coisas pelas quais me sentia culpada agora eram proibidas ou impossíveis, e isso funcionou como uma bênção. Mas a culpa é matreira e rapidamente arranjou forma de se reorganizar nos nossos dias.

Agora sentimo-nos culpadas porque fomos ao supermercado mais do que uma vez. Será que era mesmo essencial? Pior, senti prazer em ir às compras, e já estava até disposta a apanhar covid-19, só para estar sozinha uns momentos...

Culpa por não estarmos a adorar estar com os miúdos a tempo inteiro, por estarmos a odiar o trabalho – apesar de ser de casa –, culpa de os ter deixado algum tempo à frente de um ecrã, de ser hora de os levar à rua um bocadinho, mas não nos sentirmos com força para o fazer, de não ter usado máscara ou luvas, ou de ter usado máscara e luvas, quando faltam nos hospitais. Por não ter valorizado mais os momentos em que estivemos com os outros. Por não estar a valorizar o suficiente esta pausa. Por não ter feito directos no Instagram. Por não ter conseguido recriar o meu negócio online. Por estarmos todo o dia com o nosso marido e, mesmo assim, não termos trocado mais do que umas quantas palavras. Por não fazer refeições suficientemente saudáveis nem obrigar os miúdos a fazer as fichas todas que os professores mandaram...

O país pode parar, mas a culpa das mães nunca!

Recomendações de mitigação de culpa?

Xxx


Filha,

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Se te dá algum consolo, acabaste de inventar o grande slogan da crise covid-19: “O país pode parar, mas a culpa das mães nunca!” É genial. Se calhar, a culpa serve mesmo para isso, para manter os nossos neurónios a darem o seu melhor, na tentativa de encontrar soluções para os problemas, e, mais do que isso, para nos ajudar a antever os problemas, de forma que possamos preveni-los. Mas, a partir de um certo nível é incapacitante e faz muito mais mal do que bem.

Não tenho receitas, infelizmente. Há um provérbio judeu que diz que como Deus não podia estar em todo o lado, inventou as mães. Pressupõe uma vigilância permanente, que nos deixa sempre na linha da frente. Mas o que se percebe da tua carta, e acho que todos sentimos o mesmo, é que precisamos de “proibições” exteriores para nos sentirmos autorizados a parar, como se a nossa própria avaliação dos nossos limites não fosse suficiente. E isso é que é mau. Temos de ter mais compaixão connosco mesmos. E perceber que se descarregamos as baterias, então é que o mundo mergulha num verdadeiro sarilho.

Uma questão: será que as mães estão a exigir que os miúdos façam a sua quota-parte? As estatísticas dizem que eles ajudam pouco, ou nada, em casa. E não será que estamos a procurar poupá-los a todas as dores e “traumas”, esquecendo-nos de que não há crescimento sem sofrimento e que a resiliência também se fortalece? Parece-me que os avós assistem, muitas vezes com irritação e até revolta, ao bullying que os seus queridos netos fazem aos seus queridos filhos, que parecem incapazes de os pôr na linha.

A minha táctica é suscitar a tua indignação, o melhor antídoto para a ansiedade e para a culpa. Espero a tua resposta, para ver se resultou!

Mummy


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.
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