Os oito argumentos do Governo para explicar a crise
Temporária, vem de fora e os meses que se seguem são duros. O Governo tem explicado a crise gerada pelo novo coronavírus de várias maneiras. Fomos descomplicar o que o executivo tem dito.
Portugal vive uma em “emergência sanitária e económica”. A expressão é do chefe do Governo e enquadra todas as explicações e argumentos que o executivo tem usado desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o covid-19 como uma pandemia, obrigando os governos nacionais a adoptar medidas de resposta a um nova crise com várias frentes.
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Portugal vive uma em “emergência sanitária e económica”. A expressão é do chefe do Governo e enquadra todas as explicações e argumentos que o executivo tem usado desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o covid-19 como uma pandemia, obrigando os governos nacionais a adoptar medidas de resposta a um nova crise com várias frentes.
Em Portugal, António Costa avançou com vários pacotes de medidas, que foram sendo robustecidas ao mesmo tempo que a situação se tornava mais grave. Reforçar a resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e aprovar medidas extraordinárias e temporárias foi a linha de actuação. Ao mesmo tempo, o executivo criou um gabinete de crise e uma narrativa para a explicar aos portugueses. O PÚBLICO junta aqui argumentos que o Governo tem usado e explica-os:
- A crise é “exógena e simétrica”
O Governo tem destacado que se trata de uma crise que vem de fora, ou seja, não tem uma origem interna. A ideia é que fique claro junto dos cidadãos que o que se passa não está relacionado com qualquer política desenvolvida pelo Governo. Ao dizer que a crise é “simétrica”, o executivo explica que se trata de uma situação que afecta todos os países “por igual” e que não afecta um só. Aqui o Governo vinca a diferença face, por exemplo, à crise que começou em 2007 e que na Europa foi particularmente severa para os países do Sul.
- Não somos responsáveis pela crise
“É muito importante que nós como povo tenhamos a consciência de que não somos responsáveis por esta crise.” A frase é do ministro dos Negócios Estrangeiros que esta semana tentou vincar que esta crise não é como a anterior, durante a qual a esquerda foi particularmente crítica da forma como Passos Coelho geriu as expectativas dos portugueses. Um dos exemplos mais usados pela esquerda para demonstrar isso mesmo foi a declaração do ex-primeiro-ministro quando disse que os portugueses “viveram acima das suas possibilidades”, criando assim uma ideia de culpa perante a crise. “Não somos responsáveis pelo vírus, pela dimensão pandémica, pelas consequências devastadoras para a forma como vivemos, trabalhamos e criamos riqueza”.
- O excedente de 2019 serve para tempos difíceis
A ideia recupera a história da formiga que trabalha no Verão para enfrentar o Inverno. O Governo apresentou mais um brilharete na consolidação orçamental referente a 2019 - que permitiu fazer o balanço da primeira legislatura - mas ele chegou em tempos em que os festejos também estão suspensos. No entanto, o Governo não quis deixar de rentabilizar um saldo positivo de 0,2% do PIB. “É exactamente porque fizemos o que devíamos ter feito que hoje temos condições (...) para responder com eficácia e tempestivamente a esta crise”, disse Santos Silva. O Governo tenta assim antecipar-se a um sentimento que pode surgir numa altura em que o défice e a dívida pública vão voltar a disparar e que é o de pensar que de nada adiantou a estratégia de correcção das contas públicas.
- A crise é “temporária”
A palavra tem feito parte das declarações dos vários membros do Governo quando se referem à crise. Os pacotes de medidas apresentados pelo executivo também vêm com a mesma palavra. E o que pretende o Governo com isto? Passar a ideia de que esta crise é localizada no tempo e que depois vem um tempo que, embora ainda exija esforços, já será de recuperação da economia. Para já, a estratégia é “comprar tempo”. Ou seja, salvar primeiro para depois relançar. A temporalidade das medidas levou o Governo a calcular o seu impacto na economia face ao PIB trimestral, o que aumentou o valor do pacote das medidas.
- Junho, o mês da esperança
António Costa explicou aos portugueses como o país tem de viver durante o estado de emergência. Avisou que os próximos três meses vão ser “duros”, mas quis deixar um horizonte de esperança ao falar de Junho como o mês para relançar a economia. Também ao nível europeu o executivo pediu que seja lançado um programa para passada esta fase de emergência recuperar as economias que agora estiveram paradas. O programa deve ter a “dimensão necessária”. “É preciso começar a pensar no plano para amanhã”, disse Santos Silva.
- Estratégia número 1: salvar vidas e empregos
As medidas do Governo têm sido desenhadas com o objectivo principal de salvar vidas e manter postos de trabalho. Foi dado poder quase total ao Ministério da Saúde para fazer despesa, comprar bens necessários e decidir com autonomia. Na frente económica, o Governo tem frisado a intenção de salvar empregos na apresentação das medidas e chegou a modelá-las nesse sentido. Foi o que aconteceu nas linhas de crédito a que as empresas só podem aceder com a condição de não despedir trabalhadores. Porém, isto não significa que o Governo não espere por consequências desta crise no desemprego. A posição portuguesa no Conselho Europeu desta quinta-feira passou também por defender que a Comissão acelere os trabalhos sobre o resseguro de desemprego, que funcionaria como uma rede de apoio aos sistemas nacionais de Seguranças Social, o que sinaliza que o executivo espera que apesar dos pacotes de ajuda haja uma vaga de desemprego.
- Governo avança com o que for preciso. Rectificativo na calha. Austeridade depois?
O ministro das Finanças está disposto a ir até onde for preciso para dar uma resposta à crise gerada pela pandemia do novo coronavírus na economia. As contas públicas vão sofrer impactos fortes, mas o Governo não está preocupado com esse efeito e tem o respaldo da Comissão Europeia que decidiu suspender o limite de 3% do défice previsto no Pacto de Estabilidade e Crescimento. Mário Centeno não exclui a hipótese de ter de fazer um Orçamento Rectificativo, mas até lá usará as margens disponíveis no Orçamento do Estado para 2020 previstas na dotação provisional e na reserva orçamental. A dúvida agora está em perceber o que acontecerá no pós-crise. A austeridade regressa? Centeno tem sublinhado que esta “não é uma crise estrutural” e que o que o país fez até 2019 é a “garantia de que o país tem uma base económica sólida para retomar a actividade”. O ministro fala de um “esforço significativo” de todos mas lembra que as medidas extraordinárias também são “de natureza temporária”. O governante defendeu que “temos de ter o tempo suficiente para repor a actividade económica”, sinalizando assim que Portugal não quererá pressa para voltar a pôr os números em ordem.
- Há estado de emergência mas Governo optou pela solução minimalista
O Presidente da República optou por um estado de emergência suave apesar de o decreto do chefe de Estado dar enquadramento jurídico suficiente para uma solução com níveis superiores de restrição à liberdade de circulação. E porquê? Primeiro, porque na avaliação do executivo os portugueses estão a cumprir as regras de isolamento social. Segundo, porque as políticas públicas devem ser adoptadas com proporcionalidade. E, por fim, porque, como explicou o primeiro-ministro, é preciso cautela e não cansar os cidadãos com medidas mais apertadas, tendo em conta o tempo que o isolamento social vai durar.