Coronavírus: portugueses “desaparecem” das urgências dos hospitais
O número de utentes baixou desde o início do surto, mas isso não quer dizer que a percentagem de casos não urgentes tenha diminuído. Para evitar o risco de contágio nas salas de espera, a Direcção-Geral da Saúde recomenda a quem estiver com sintomas de covid-19 que não se dirija às urgências hospitalares.
Há menos pessoas a procurar as urgências dos hospitais portugueses desde o início do surto de covid-19 em Portugal – com a procura a atingir mínimos históricos depois de ter sido determinado o estado de emergência.
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Há menos pessoas a procurar as urgências dos hospitais portugueses desde o início do surto de covid-19 em Portugal – com a procura a atingir mínimos históricos depois de ter sido determinado o estado de emergência.
Os dados são do portal do Serviço Nacional de Saúde, que regista o número diário de episódios de urgência nos hospitais portugueses, e mostram que, na semana de 16 a 22 de Março, o número de pessoas a recorrer às urgências foi de 49.634 – menos 69.801 utentes quando comparado com a terceira semana de Março de 2019. Os dados foram analisados pelo PÚBLICO e confirmados pela Administração Central do Sistema de Saúde.
A tendência de decréscimo já se evidenciava desde o início do mês de Fevereiro, mas acentuou-se ainda mais desde que os primeiros casos de covid-19 foram detectados em Portugal. A 2 de Março, o país ficou a conhecer a existência dos dois primeiros positivos em território nacional.
O mínimo histórico terá sido atingido no último domingo, dia 22 de Março, quatro dias depois de ter sido decretado o estado de emergência pelo Presidente da República e no dia em que as principais medidas aprovadas pelo Conselho de Ministros entraram em vigor.
Os dados do portal do SNS indicam que, nesse dia, apenas 5891 pessoas foram a uma urgência de um hospital público.
Ao longo de todo o ano de 2019, o valor mínimo de utentes foi registado a 21 de Abril, domingo de Páscoa. Nesse dia, 12.555 utentes dirigiram-se às urgências hospitalares. A 22 de Março de 2020, por contraste, houve menos 6664 pessoas a ir às urgências, quando comparado com o anterior valor mínimo registado.
Entre o dia 2 e o dia 24 de Março, o decréscimo foi ainda mais acentuado, com os hospitais portugueses a registarem uma descida no número de utentes na ordem dos 60%.
Número de utentes pouco urgentes não se altera
Apesar de o número de utentes estar a baixar substancialmente, a verdade é que isso não se deve a uma redução do número de utentes não urgentes nos hospitais portuguesas.
Comparando o número de utentes por triagem no período desde que foram detectados os primeiros casos de covid-19 em Portugal com o resto do ano, verifica-se que o padrão de triagem se mantém: quase metade dos utentes receberam pulseira amarela, 10% pulseira vermelha (os casos que precisam de cuidado mais urgente de acordo com o protocolo de Manchester) e 35% pulseira verde.
A maior variação verificou-se na percentagem de pulseiras amarelas: no período desde o dia 2 de Março, 42,01% dos utentes foram classificados como doentes urgentes, recebendo a pulseira amarela, ao passo que no resto do ano de 2020 essa percentagem era de 43,35%. Isto é, verificou-se uma variação de 1,34 pontos percentuais.
Tendo em conta que as pulseiras azuis e verdes são classificadas como pulseiras pouco prioritárias – não urgente e pouco urgente, respectivamente – verifica-se que esta categoria de utentes não se alterou. No período correspondente a 1 de Janeiro a 1 de Março de 2020, a taxa de doentes não urgentes nas urgências era de 36,61%; no período entre 2 de Março e 24 de Março (data de actualização dos últimos dados), essa percentagem era de 36,31%.
Isto quer dizer que apesar de os portugueses se estarem a dirigir menos às urgências dos hospitais, a percentagem deles que o faz com sintomas pouco urgentes manteve-se.
Na dúvida não vá às urgências
Não se sabe se a pandemia é a responsável por tudo isto, mas a verdade é que parece haver uma relação de causalidade entre as duas coisas. Os dados mostram que o esvaziar das urgências anda de mãos dadas com o início do surto em Portugal.
Com urgências mais vazias, os tempos de espera diminuíram. Nesta quinta-feira, uma das urgências mais requisitadas do país – a do Hospital de São João, no Porto – registava a meio da tarde tempos de espera inferiores a 20 minutos para portadores da pulseira laranja; a uma hora para as pulseiras amarelas e a duas horas para as pulseiras verdes. Valores que estão dentro dos limites horários protocolados.
Os portugueses parecem ter ouvido as recomendações da Direcção-Geral da Saúde, que, de tão repetidas, estão a ser interiorizadas: para evitar casos de contágio nas salas de espera, não vá às urgências se suspeitar estar infectado com covid-19. Os casos suspeitos devem ser atendidos pela linha SNS 24 (808 24 24 24) num primeiro momento.
De acordo com o actual plano da fase de mitigação — correspondente ao nível de alerta e resposta mais elevado, determinado quando há transmissão local em ambiente fechado e transmissão comunitária —, quem ligar para a linha SNS24 com sintomas de covid-19 já não será encaminhado apenas para os hospitais de referência como acontecia antes, mas pode seguir quatro vias diferentes, consoante a gravidade do caso. E apenas uma dessas vias pressupõe a entrada numa urgência hospitalar.
Os casos menos graves ficarão em autocuidados em casa e sob vigilância. Com sintomas “um pouco mais graves”, serão encaminhados para os centros de saúde da área de residência melhor preparados para o receber – estes locais terão sinalética e áreas dedicadas a pessoas com covid-19, denominadas ADC (áreas dedicadas a covid-19). No terceiro patamar de gravidade, seguem avaliação médica em ADC na urgência hospitalar. No quarto patamar, dedicado às urgências, são atendidos directamente pelo INEM.
Os centros de saúde e urgências dos hospitais serão obrigados a ter áreas dedicadas aos doentes com covid-19 ou suspeitas – com circuitos diferentes para limitar ao máximo o risco de contágio. Dependendo do modelo adoptado a nível local, cada centro de saúde pode ter uma área ADC ou um dos seus centros de saúde totalmente transformado em área dedicada à covid-19.
A mensagem, no entanto, continua a mesma: se tiver sintomas de covid-19 não se dirija directamente às urgências.