Tempo de coesão: salvar as empresas para preservar o emprego
Não vale a pena iludirmo-nos. Isto um dia passa, mas vai demorar ainda muito a passar. Esta crise terá efeitos gigantescos em Portugal.
Desde a Segunda Grande Guerra que o mundo não enfrenta coletivamente uma ameaça tão grande, tão devastadora e tão incerta como a da pandemia causada pela covid-19. De repente fomos obrigados a mobilizarmo-nos como se de uma guerra se tratasse, contra um inimigo invisível, que não escolhe alvos nem geografias. De repente vimo-nos obrigados a alterar profundamente o nosso modo de vida, a restringirmos as nossas liberdades, a confinarmo-nos em casa, ou a gerir as nossas empresas e os nossos postos de trabalho em regime de controle de danos.
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Desde a Segunda Grande Guerra que o mundo não enfrenta coletivamente uma ameaça tão grande, tão devastadora e tão incerta como a da pandemia causada pela covid-19. De repente fomos obrigados a mobilizarmo-nos como se de uma guerra se tratasse, contra um inimigo invisível, que não escolhe alvos nem geografias. De repente vimo-nos obrigados a alterar profundamente o nosso modo de vida, a restringirmos as nossas liberdades, a confinarmo-nos em casa, ou a gerir as nossas empresas e os nossos postos de trabalho em regime de controle de danos.
Pelos exemplos que nos antecederam nesta crise, cedo percebemos que só uma liderança totalmente ciente da dimensão do problema, capaz de adotar mesmo as mais impopulares medidas para salvar vidas e economias, seria capaz de evitar a devastação que se seguirá.
Não vale a pena iludirmo-nos. Isto um dia passa, mas vai demorar ainda muito a passar. Esta crise terá efeitos gigantescos em Portugal, nas vidas que se perderam e vão continuar a perder, no número de infetados, nas empresas que fecharam a sua atividade ou que tiveram que diminuir as suas produções, nos mercados que desapareceram, nas matérias-primas que vão faltar. Na incerteza que vai caracterizar o quando e o como regressaremos ao ativo.
Como a grande maioria dos especialistas tem defendido, estamos apenas na primeira fase da propagação da pandemia em Portugal. Estamos também a enfrentar os primeiros efeitos diretos sobre as empresas e a economia. Efeitos que são, já, dramáticos.
A todos se exige um espírito de seleção nacional, sério, pragmático, realista, despido de clubismos ou partidarismos, mas, sobretudo, despido de miopias ideológicas.
Todos sabemos que vivemos em Portugal uma cultura política dominada por uma visão ideológica da sociedade que em nada favorece a iniciativa privada, que em nada entende ou vive confortável com a economia de mercado. Por recalcamento histórico ou sectarismo político, às empresas e empresários está sempre reservado o papel de vilões na crónica diária do País.
Neste tempo de crise e de urgência de respostas viáveis, não quero perder muito tempo em considerações ideológicas, mas há algo que convém recordar para início desta exposição. Quem cria empregos e riqueza ao País são as empresas e os empresários e todos aqueles que nelas se enquadram.
Querer negar semelhante evidência é como negar os efeitos desta crise sobre o nosso modo de vida. É tempo de percebermos que nenhum futuro nos sobrará se não subsistir economia depois destas semanas de trevas.
Governo, confederações patronais, sindicatos, partidos políticos, todos, mas mesmo todos, temos que despir as vestes clubísticas que nos dividem e envergar com sentido de Estado e de missão a tarefa que recai nos nossos ombros: salvar Portugal e os portugueses deste flagelo.
Empresas e postos de trabalho constituem uma unidade indissociável da economia nacional que urge preservar, umas e outros, neste espectro de destruição. É tempo de patrões se preocuparem seriamente com a manutenção de postos de trabalho, como é tempo de sindicatos se preocuparem com igual seriedade com a sobrevivência das empresas. Todos por igual, todos a bem de Portugal.
A incógnita sobre qual será o estado da economia portuguesa quando as atuais restrições forem levantadas depende de vários fatores, de difícil previsão.
Em primeiro lugar, depende do tempo e da dimensão da própria pandemia. A situação será, obviamente, mais complicada quanto mais tempo durar esta situação. Pressupondo que não passe antes de final de maio, tendo em conta que a maior parte das PME não tem liquidez para aguentar mais de um mês sem entrada de receitas, a questão que se coloca é: quantas PME de inúmeros setores de atividade, encerradas total ou parcialmente, por imposição legal, pela ausência de trabalhadores ou simplesmente por falta de procura ou de abastecimento, irão resistir? E mesmo as grandes empresas, quanto tempo poderão resistir?
Mesmo depois das restrições serem levantadas, os impactos nas empresas demorarão a desvanecer-se. Podemos concluir que, no mínimo, o primeiro semestre está perdido.
O impacto económico depende também da intensidade da pandemia, ou seja, de quantos portugueses serão infetados simultaneamente. Esta questão é fulcral do ponto de vista da capacidade do nosso sistema de saúde para não entrar em rutura (como se verificou no Norte de Itália). Mas é também importante do ponto de vista do seu impacto direto nas empresas.
Em segundo lugar, o que vai sobrar da economia, do emprego, da capacidade produtiva que poderá ser reativada e impulsionar a recuperação, dependerá dos apoios que o Estado for capaz de mobilizar e fazer chegar ao terreno. Apoios à tesouraria das empresas, apoios em termos dos custos em que continuam a incorrer, nomeadamente salariais, mesmo com pouca ou nenhuma entrada de receitas.
Em Portugal, o Governo enfrenta o que podemos designar como a tempestade perfeita, depois da bonança vivida na legislatura anterior. Sozinho, não vai conseguir desempenhar todas as tarefas que a situação exige. É preciso unir em torno deste combate desigual partidos políticos e parceiros sociais, em diálogo e coesão de esforços. O inimigo é, de facto, comum.
As frentes de combate são inúmeras: a frente da saúde pública, a frente da ajuda direta aos mais desfavorecidos, e estou a pensar, por exemplo, na situação dramática dos sem-abrigo. Mas tem também de ter em conta quem poderá ter, brevemente, abrigo precário: todos os que ficarão sem emprego, se as empresas onde trabalham encerrarem definitivamente, todos os pequenos empresários que ficarem sem as suas empresas.
É certo que o Governo já foi dando passos no sentido de atenuar o impacto económico da pandemia. Foi aumentando a dimensão da sua resposta. Foi ajustando essa resposta. Vai aprendendo, à medida em que se apercebe da dimensão dos problemas. Vai aprendendo, ouvindo os agentes económicos. Vai aprendendo, também, com os seus próprios erros.
Mas existe ainda um grande desfasamento entre os montantes mobilizados e as necessidades e, sobretudo, disfunções que prejudicam a eficácia e rapidez com que as medidas estão a chegar ao terreno. As exigências em termos de acesso das empresas aos apoios têm vindo a diminuir, mas ainda não se compadecem com a urgência que a gravidade da situação requer. É tempo de abandonar burocracia; é tempo de abandonar exigências descabidas. Não podemos esperar que as empresas estejam já em rutura para que possam ser apoiadas. Não podemos levantar às empresas obstáculos que só se compreendem na lógica dos jogos partidários ou por preconceito ideológico.
As empresas não querem ter de recorrer ao desemprego. Mas o Governo tem de tomar consciência de que a melhor forma de evitar uma subida em flecha do desemprego é salvar as empresas neste período, mais ou menos longo, mas previsivelmente limitado.
Quanto aos montantes mobilizados, os 9200 milhões anunciados comparam mal, em termos relativos, com o que outros países europeus se propõem fazer chegar às suas empresas. Menos de 5% do PIB, em Portugal, contra 20% em Espanha ou 15% na França ou no Reino Unido.
Além disso, a atuação do Banco Central Europeu permite uma apreciável margem de manobra para acomodar acréscimos inevitáveis da dívida pública sem que os juros aumentem acima de níveis razoáveis.
Tudo isto justifica uma resposta mais robusta por parte do Estado, em Portugal.
É certo que, sozinho, Portugal não vai suprir todas as necessidades. Além do acréscimo de despesa que os apoios implicam, as finanças públicas vão defrontar-se com uma queda abrupta dos impostos. O impacto orçamental será fortíssimo.
Mais do que solidariedade, a Europa deverá afirmar a sua mais-valia face aos esforços desenvolvidos por cada Estado-membro. Só assim provará a sua relevância.
Ao nível europeu, deverá ser decidido urgentemente: o montante global a ser mobilizado, os critérios de repartição entre os Estados-membros, os veículos a utilizar para mobilizar esses montantes e distribuí-los pelos Estados-membros.
Fala-se já na possibilidade de emissão de eurobonds para financiar de forma comum a resposta a esta crise, o que seria inimaginável há poucas semanas. Os tabus europeus têm, de facto, de cair, para que a União Europeia não se torne irrelevante. Pelo contrário, unida por um “inimigo” comum, a Europa poderá sair mais forte e coesa desta crise.
Tanto ao nível nacional, como europeu, é preciso reagir, com lucidez, urgência e em força, mobilizando todos os instrumentos ao nosso dispor. Reagir para preservar, tanto quanto possível, o emprego e a economia. Para assegurar que, dentro de dois ou três meses, ainda há empresas que sejam capazes de reativar uma economia que entra agora, gradualmente, em hibernação.
Evitar uma catástrofe social em termos de desemprego é um objetivo comum, independentemente de ideologias ou interesses específicos deste ou daquele grupo a que pertençamos. Tomemos todos consciência de que não será por milagre ou por decreto que travaremos o desemprego. Só salvando as empresas poderemos alcançar este objetivo. Só salvando postos de trabalho continuaremos a ter futuro. Todos não somos demais neste combate. É tempo de todos darmos as mãos em nome de Portugal e dos portugueses.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico